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Detido na Rússia há mais de um ano e sem julgamento, jornalista americano fica isolado 23 horas por dia

Evan Gerchkovitch, repórter do The Wall Street Journal, foi acusado de espionagem, sem provas, e teve prisão prorrogada até 30 de junho

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São Paulo

Em 28 de março de 2023, o jornal americano The Wall Street Journal publicou uma reportagem intitulada "A economia da Rússia está começando a desmoronar". O texto, assinado pelos jornalistas Georgi Kantchev e Evan Gerchkovitch, dizia que a situação do país era complicada, com redução dos investimentos e escassez de mão de obra, apertando o orçamento nacional.

No dia seguinte, Gerchkovitch, 32, foi detido pelo Serviço Federal de Segurança da Rússia (FSB) na cidade de Ekaterimburgo e acusado de espionagem. Ele foi o primeiro americano detido sob tal acusação desde o fim da Guerra Fria.

Mais de um ano depois, ele permanece preso, sem julgamento e sem previsão de liberdade. Em 26 de março, um tribunal russo prorrogou sua prisão preventiva até 30 de junho. Não está claro quando será julgado e se será solto. Caso seja condenado, pode pegar até 20 anos de prisão, de acordo com o código penal russo.

De acordo com a ONG Repórteres Sem Fronteiras (RSF), a Rússia até o momento não apresentou nenhuma prova da suposta espionagem por parte do jornalista. Gerchkovitch, a família dele, o WSJ e o governo americano negam veementemente a acusação. Segundo o diário americano, ele tinha credenciais de imprensa fornecidas pelo Ministério das Relações Exteriores da Rússia.

Jornaleiro de Nova York mostra a capa do jornal The Wall Street Journal de 29 de março de 2024 com uma página em branco para marcar o aniversário de um ano da detenção do jornalista americanos Evan Gershkovich - Timothy A. Clary / AFP

Em 29 de março, no primeiro aniversário da prisão, o WSJ publicou em sua capa a frase "A reportagem dele deveria estar aqui" e, abaixo, um grande espaço em branco, para marcar a ausência de Gerchkovitch. Em carta, a editora-chefe do periódico, Emma Tucker, afirmou: "Na Rússia de Vladimir Putin, o trabalho por um jornalismo independente e a apuração de fatos –as marcas daquilo que defendemos no Journal– são considerados um crime."

A Casa Branca também se manifestou por comunicado naquele dia. "Continuaremos trabalhando todos os dias para garantir sua libertação. Continuaremos a denunciar e a impor sanções às terríveis tentativas da Rússia de usar os americanos como moeda de troca. E continuaremos a permanecer fortes contra todos aqueles que procuram atacar a imprensa ou atacar os jornalistas –os pilares da sociedade livre."

O Departamento de Estado dos EUA declarou que o jornalista foi detido injustamente, e o presidente Joe Biden prometeu à sua família que o traria de volta.

Uma hora de exercícios por dia

Os pais de Gerchkovitch migraram da antiga União Soviética para os EUA. Ele aprendeu russo com eles e construiu uma carreira como jornalista focado no país.

Segundo o WSJ, ele é mantido na prisão russa de Lefortovo, a leste de Moscou, e fica a maior parte do tempo isolado. Passa 23 horas em uma pequena cela e sai para caminhar e fazer exercícios durante apenas uma hora por dia.

"Ele passa o tempo caminhando seis passos para um lado, seis passos para o outro lado", disse sua mãe, Ella Milman, em entrevista ao WSJ no dia do aniversário de um ano da detenção do jornalista.

"Ele está lidando da melhor forma que pode. Está em um lugar apertado, mas fazendo exercícios, meditando, lendo muito, respondendo a cartas, estudando o idioma e a cultura russos, tentando se ajustar à situação", declarou Milman.

Desde a detenção, seu advogado, Daniil Berman, diz ser impedido de defendê-lo, uma vez que a corte afirma já haver um representante da defesa indicado pelo Estado. Gerchkovitch se reúne semanalmente com advogados russos e periodicamente vai ao tribunal, onde um juiz prorroga sua prisão preventiva.

Quando vê imagens do filho, Milman presta atenção em todos os detalhes. "Noto que seus ombros estão mais fortes de tanto exercício, vejo se ele cortou o cabelo, a aparência dele. Em um momento ele parecia mais magro do que agora. Uma mãe percebe tudo."

Ele também joga xadrez pelo correio com seu pai. Amigos e familiares enviam cartas com atualizações sobre o mundo e o trabalho.

Em uma carta aberta publicada após um ano da detenção, seus pais declararam manter esperança de que ele seja solto. "Nós o vimos enfrentar isso com a cabeça erguida porque ele é inocente. Ele nos inspira a continuar todos os dias, principalmente naqueles dias em que recebemos suas cartas e vemos seu sorriso nos vídeos do tribunal."

Jornalistas em risco

O caso tem sido tratado como o mais grave envolvendo um jornalista estrangeiro desde que a Rússia invadiu a Ucrânia, em 2022. O país tem colocado limites ao jornalismo independente, deixando que os meios de comunicação estatais e a propaganda governamental preencham o vazio.

"Até então, os correspondentes estrangeiros [credenciados] sentiam-se relativamente protegidos em comparação com seus colegas russos. A prisão de Evan foi um choque para a comunidade jornalística estrangeira. Teve um enorme efeito inibidor, com maior autocensura. Alguns até deixaram o país", disse à Folha Jeanne Cavelier, diretora da RSF para o Leste da Europa e a Ásia Central.

Um dos repórteres estrangeiros que deixaram a Rússia desde então foi o búlgaro Georgi Kantchev, que escreveu com Gerchkovitch a última reportagem dele antes da prisão. Kantchev atualmente está em Berlim, na Alemanha.

Pelo menos 34 jornalistas estão presos na Rússia devido ao seu trabalho, um número recorde. O país está em 164º lugar entre 180 no último Índice de Liberdade de Imprensa publicado pela RSF, figurando na categoria "muito grave".

Novas leis de censura restringem a forma como os jornalistas podem cobrir determinados assuntos. Desde o início do conflito com a Ucrânia, palavras como "guerra" foram proibidas nos meios de comunicação pelo órgão regulador russo. Apenas informações provenientes de "fontes oficiais", ou seja, do Ministério da Defesa, são autorizadas.

Disputa geopolítica

Enquanto a Casa Branca critica a prisão e faz pressão pela libertação de Gerchkovitch, o governo russo diz que negociações ocorrem nos bastidores e que a questão é tratada pelo FSB.

Para o Kremlin, o repórter preso tornou-se um ativo valioso para eventual libertação de russos detidos no exterior. Em uma entrevista, Putin disse acreditar que um acordo pode ser alcançado.

Os pais do jornalista dizem temer que seu filho se torne um peão em uma questão política mais ampla. "Sabemos que ele é inocente. Ele é um jornalista, mas não queremos especular sobre a questão política", disse o pai, Mikhail Gerchkovitch.

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