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Reduto de Evo evidencia seu papel-chave para futuro da Bolívia pós-golpe fracassado

El Alto, jovem e populosa cidade vizinha a La Paz que agrupa indígenas aimaras, mostra como ex-presidente tem peso para decisões do país

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el alto (bolívia)

A cerca de 40 minutos de La Paz, El Alto é a expressão dos dilemas da Bolívia. A cidade, com alto índice de informalidade na economia e que vê o tráfico de drogas desafiar a segurança pública, é um dos mais importantes redutos políticos de Evo Morales.

Dois dias após uma tentativa frustrada de golpe de Estado, o nome de Evo, que governou por três mandatos consecutivos, de 2006 a 2019, é o que mais aparece nas falas da população do município.

O ex-presidente da Bolívia em El Alto, em 2022
O ex-presidente da Bolívia em El Alto, em 2022 - Manuel Claure/Reuters

A grande dúvida é se ele concorrerá nas eleições do segundo semestre de 2025. A Justiça diz que não —em teoria, pela lei original, presidentes podem ficar no cargo por dois períodos, seguidos ou não. Evo já alterou a regra com seu terceiro mandato e afirma que concorrerá de novo, seja "por bem ou por mal".

A questão-chave é que a disputa entre Evo e Luis Arce, seu ex-pupilo e ex-ministro que chegou à Presidência, tem ajudado a drenar a popularidade do governo. O ex-sindicalista é visto como elemento definidor do que se passará na Bolívia nas próximas semanas e meses.

Analistas comentam que Evo pode escolher arrefecer sua oposição ao governo do ex-aliado e tornar as coisas mais fáceis. Ou pode —e é alta a aposta nessa opção, dados os seus genes de enfrentamento, como diz um especialista boliviano— voltar a chamar sua base às ruas para criticar Arce, como já o fez recentemente, com protestos e bloqueios.

Evistas têm capitalizado um período de dificuldades econômicas que vive o país andino. Expressão disso é El Alto, município de apenas 36 anos que, com o despejo de verba durante os anos de Evo, tornou-se atrativo econômico e a segunda cidade mais populosa do país, com 1 milhão de pessoas, atrás apenas de Santa Cruz de La Sierra (La Paz, a capital, é a terceira na lista).

Reduto de indígenas aimara, a etnia de Evo, El Alto se baseia no comércio informal, de extensas avenidas com vendedores sentados no chão. No bairro 16 de Julio, são as mulheres aimara com suas frutas e verduras às margens das ruas que chamam a atenção.

"Agora vendemos bem menos", diz Victoria, 45. Ela aponta para sua caixa de pitaias amarelas. "Antes cada uma saía por 5 bolivianos (R$ 4), agora tenho de cobrar 10 (R$ 8). A caixa, que antes comprava por 250 bolivianos (R$ 200) dos vendedores que importam, agora me sai por 550 ou 600 bolivianos (R$ 450 a R$ 500). E demoramos a vender. Às vezes o produto estraga. Com Evo não era assim."

Victoria, 45, mulher aimara que vende frutas nas ruas de El Alto, na Bolívia

Muitos importadores, como os atacadistas que compram frutas no Peru e no Chile, próximos a El Alto, têm dificuldade para comprar dólares, já que a moeda escasseou na Bolívia. No mercado paralelo, pagam muito mais caro. Por isso sobem o preço da revenda de seus produtos para pessoas como Victoria.

A vendedora de leite e iogurtes Mónica Eliana, 28, faz um relato semelhante. Quando questionada pela reportagem sobre o que achou da tentativa de golpe, diz não ter dúvidas de que o próprio Arce o tramou —ele nega a acusação, feita pelo general acusado de comandar a tentativa. "Como um golpe de verdade ia ser dado no meio da tarde? Qualquer militar escolheria a noite para isso, quando não há ninguém."

Mónica Eliana, 28, vendedora de leites e iogurtes em El Alto, na Bolívia

A alguns quarteirões está o bairro de La Ceja, um dos mais populosos e também perigosos. De madrugada, os moradores de La Paz sobem para lá —a diferença de altitude da capital para El Alto é de cerca de 800 metros— para comprar produtos e revender.

Outros dois comerciantes que falam em anonimato dizem que Evo os entende por ser um indígena. O economista Arce, por sua vez, estaria tentando resolver as coisas, mas sem saber o que a população passa.

As pesquisas locais de intenção de voto apontam que Evo tem uma base fiel de cerca de 30% dos eleitores, mas que é altamente rechaçado, também, por uma parcela de ao menos 50%. Não há um líder claro que faça oposição à esquerda, ainda que o prefeito de Cochabamba, Manfred Reyes Villa, venha ganhando relevância.

Elogiado ex-ministro da Economia de Evo, e justamente por isso escolhido para disputar a Presidência, Arce tem colhido as más consequências do pós-pandemia, da alta dos preços internacionais e da falha do próprio período evista em antever que o gás, o ouro da economia boliviana, começaria a escassear. Evo se descreve como um potencial salvador da economia nacional.

Enquanto isso, os dois protagonistas da política boliviana trocam farpas. Arce afirmou que a primeira pessoa para quem ligou quando confirmou que uma tentativa de golpe estava em curso foi Evo.

O ex-presidente confirmou, mas na sexta-feira (28) mandou sua indireta. "Eu disse a ele: 'você deu poder demais ao Zúñiga [o chefe do Exército que liderou a tentativa] sem respeitar a institucionalidade'".

Em entrevista à Folha, concedida também na sexta, Arce criticou o desejo do padrinho de retornar ao poder. "Para nós, como governo, o verdadeiro dono do instrumento político são as organizações sociais que o fundaram. Mas para ele [Evo], não: ele é o dono e quer construir com base em sua figura o instrumento. Essa é a nossa principal diferença."

No final da semana em que o país andino se viu diante de uma ameaça de militares no poder, ainda há muitas perguntas em aberto, mas uma certeza: a de que Evo Morales continuará a ser elemento-chave para definir os rumos da nação de 12 milhões de habitantes.

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