Descrição de chapéu Bolívia

Subexplorado, lítio volta ao centro do debate após golpe fracassado na Bolívia

Mineral cobiçado no mercado global é vasto no subsolo do país, que acena a Rússia e China para crescer produção diante do fim do ciclo do gás natural

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La Paz

Chamado de "ouro branco", o lítio voltou ao centro do debate na Bolívia, país que possui as maiores reservas mundiais do mineral usado na fabricação de baterias, com estimados 23 milhões de toneladas.

A produção é inexpressiva, porém, e a participação boliviana nesse mercado é muito pequena. Ainda assim, ressurgiram especulações de que o interesse internacional no lítio poderia estar por trás da tentativa frustrada de golpe militar recém-conduzida em La Paz.

Mão do presidente da Bolívia, Luis Arce, segurando carbonato de lítio na inauguração de uma planta industrial em Potosí
Mão do presidente da Bolívia, Luis Arce, segurando carbonato de lítio na inauguração de uma planta industrial em Potosí - Claudia Morales - 15.dez.23/Reuters

A especulação, aliás, partiu do próprio governo. O presidente Luis Arce deu a entender que concorda com essa hipótese. Reservadamente, um membro do alto escalão da atual gestão declarou que não descartaria essa possibilidade, ainda que mesmo o governo esteja tomado de incertezas quanto aos reais motivos do recente levante militar.

O discurso ecoa, de certo modo, o que o ex-presidente Evo Morales e o governista MAS (Movimento ao Socialismo) bradaram em 2019, ano no qual o ex-sindicalista se viu obrigado a renunciar ao cargo em meio a fortes protestos, à pressão das Forças Armadas e da polícia boliviana. À época, disseram que o lítio estava na raiz da motivação.

Alguns dos protestos contra Evo tinham justamente o mineral como bandeira. Ocorreram em Potosí, região no centro-sul do país onde estão as maiores reservas bolivianas, no chamado salar de Uyuni, e contestavam o modelo de exploração que se estava implementando.

Há ainda muitas outras narrativas sobre a sublevação da semana passada, uma delas a de que teria sido uma espécie de autogolpe forjada por Arce para alavancar sua popularidade, em queda devido a dificuldades econômicas. Lucho, como é conhecido, nega.

Seja como for, não há dúvidas da relevância da exploração desse mineral para o futuro da Bolívia. O país está em um momento decisivo, pois vive o fim do ciclo do gás natural.

"Houve uma deterioração significativa do principal excedente da economia boliviana", diz o economista Gonzalo Chávez em referência ao recurso. "Passamos de US$ 6,6 bilhões de exportações nos anos de pico, como 2014, para US$ 2,3 bilhões em 2023. E de 60 milhões para 30 milhões de metros cúbicos produzidos por dia."

Arce foi o arquiteto dos anos de glória do gás –ele era, afinal, ministro da Economia de Evo. Mas agora afirma que houve um erro dos governos anteriores ao apostar todas as fichas nesse recurso, tirando o corpo de um jogo do qual era um dos protagonistas.

Ele afirma querer diversificar a economia e industrializar o país, promessa que a população vê nas centenas de outdoors espalhados em La Paz prometendo que este é o governo da industrialização, com um Arce sorridente usando capacete de proteção.

A população sente no bolso as dificuldades econômicas. O acumulado da inflação dos últimos 12 meses em maio ficou em 3,5%, com destaque para os alimentos (5,2%). Muitos acreditam que esteja no lítio a salvação do país. Analistas apontam, porém, que o governo tem fracassado em sua exploração.

No ano passado, a Bolívia produziu 0,52% de todo o carbonato de lítio em nível global. O produto é obtido da extração e tratamento do lítio e comercializado para fabricantes de baterias.

Arce afirma que em breve, com um investimento de 760 milhões de bolivianos (R$ 615 milhões), vai elevar a produção a 100 mil toneladas em 2025, ano do bicentenário da Bolívia. Mesmo com essa injeção de capital, o lítio ainda não compensará a perda de receita com o gás natural. Recente pesquisa conduzida por Mauricio e Sergio Medinaceli para a ONG Oxfam mostrou que, em seu melhor cenário, o mineral pode injetar US$ 1,6 bilhão anual na economia do país. Bem distante dos US$ 6,6 bilhões dos tempos áureos do gás.

A lei boliviana, fortemente nacionalista, prevê que o Estado seja responsável por explorar, industrializar e comercializar o lítio. Mas há a chance de convênios internacionais, e neste sentido Rússia e China vêm ganhando destaque.

Em recente viagem a Moscou no último mês, Arce anunciou, de mãos dadas com Vladimir Putin, que estabeleceu um cronograma com a estatal russa Rosatom para acelerar a instalação de uma fábrica de carbonato de lítio no salar de Uyuni. Antes, em janeiro, divulgou um convênio semelhante com a China, também em Potosí.

Para o analista em temas de energia boliviano Álvaro Ríos, a questão-chave é que não há um pacto social para exploração do lítio, com definição sobre como os recursos serão utilizados nas regiões produtoras. "Enquanto não houver isso, a a extração seguirá sem gerar riqueza."

A disputa pelo valor das chamadas "regalias" para essas regiões foi o que levou muitos às ruas em 2019 contra Evo. Também por isso, o tema deve ser central nas eleições de 2025. Arce não confirma que tentará reeleição.

O próprio interlocutor do governo que falou à reportagem diz que essa disputa política é peça-chave. E contou que ao menos 11 municípios de Potosí, localizados nos arredores da região do salar de Uyuni, estão se articulando para formar uma região autônoma, algo previsto na Constituição e que confere maior poder de controle dos recursos às administrações locais. O conflito parece bem longe de acabar.

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