Embate de Kamala e Trump leva a divisão recorde entre homens e mulheres nos EUA

Eleição explicita visões opostas sobre papeis de gênero, mas desta vez em um cenário prejudicial para o republicano

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Washington

A eleição que pode colocar na Casa Branca a primeira presidente dos Estados Unidos caminha para ser também a de maior polarização política entre homens e mulheres na história do país.

O choque reflete visões conflitantes sobre os papéis de gênero, visíveis no embate em torno do direito ao aborto, nos comentários sobre "loucas dos gatos sem filhos" feito por J.D. Vance, candidato a vice de Donald Trump, e nas discussões sobre masculinidade projetada pelos homens em cada lado da corrida.

A vice-presidente dos EUA, Kamala Harris, e o ex-presidente Donald Trump, que se enfrentam nas urnas em novembro - Nathan Howard - 22.jul.2024 e Jeenah Moon - 15.ago.2024/Reuters

Gênero sempre esteve nas entrelinhas da política americana, um terreno habilmente explorado por Trump contra Hillary Clinton e Joe Biden, diz o cientista político Dan Cassino, diretor do instituto de pesquisas da Universidade Fairleigh Dickinson e autor do livro "Ameaça de Gênero: Masculinidade americana em face de mudanças".

Mas desta vez algo não está funcionando na estratégia do republicano. A entrada de Kamala Harris na disputa fez a vantagem do Partido Democrata entre eleitoras disparar de 2 para 13 pontos percentuais. Enquanto isso, Trump manteve sua vantagem de 7 pontos entre homens, segundo pesquisa The Economist/YouGov.

A distância total de 20 pontos entre os gêneros quase triplica se considerados apenas os mais jovens –a geração Z. Nesse grupo, que abrange aqueles com idades de 18 a 29 anos, Kamala tem uma vantagem de 38 pontos entre mulheres, e Trump, de 13 pontos entre homens, de acordo com levantamento New York Times/Siena College.

"Estamos caminhando para a maior diferença de gênero em uma eleição da história", afirma Cassino. Segundo ele, essa polarização teve início nos anos 1980, mas se intensificou com Trump. "Os homens, especialmente aqueles que acreditam em papéis tradicionais de gênero, estão muito mais do lado republicano, enquanto as mulheres e as pessoas que não creem nisso votam nos democratas."

O cenário tem beneficiado Kamala, em grande medida, por culpa do próprio Trump, diz o cientista político. "Agora Trump não consegue parar de falar sobre Kamala ser mulher, sobre ser metade negra e metade indiana. O subtexto funciona enquanto for subtexto. No momento em que você o torna explícito, as pessoas reagem mal."

Um comentário vulgar feito na última semana por um usuário na rede de Trump, a Truth, e compartilhado pelo perfil do empresário ilustra esse ponto. A mensagem comparava Kamala a Hillary e insinuava que a atual candidata teria ascendido profissionalmente por meio de favores sexuais.

O mesmo raciocínio se aplica a J.D. Vance. Seus comentários criticando mulheres sem filhos –viralizados em memes na declaração sobre as loucas dos gatos– são uma versão explícita de argumentos que republicanos têm feito nas entrelinhas desde os anos 1980.

Na época, tornou-se famoso o ataque feito pelo então presidente Ronald Reagan às "rainhas de programas sociais" (welfare queens, em inglês), em alusão a mulheres negras com filhos. O outro lado da moeda desse argumento, ecoado hoje por Vance, é que mulheres brancas não estão tendo filhos o suficiente, diz Cassino.

Esse tipo de pensamento está ligado à chamada teoria da substituição, popular entre supremacistas brancos, que temem se tornar minoria nos EUA –em termos populacionais e de poder político.

Para Carrie Baker, professora do programa de estudos sobre mulheres e gênero da Smith College, a masculinidade sempre foi relevante nas eleições americanas, mas agora Trump e sua base foram ao extremo da caricatura. "Hulk Hogan literalmente rasgou a camisa na convenção republicana. O presidente do UFC [Dana White] estava lá. É quase cômico", diz.

A estratégia, no entanto, não é de todo despropositada. Trump e Vance miram os votos de homens jovens, um grupo mais influenciado por discursos sexistas em voga nas redes sociais, afirmam Cassino e Baker.

Do lado democrata, Kamala fez a escolha de não abordar seu gênero e raça explicitamente, deixando a tarefa para aliados e adversários. Para não incorrer no erro de Hillary, ela tem usado a defesa do direito ao aborto como uma forma indireta de ressaltar o fato de ser mulher.

Por isso, Cassino espera que a diferença de votação por gênero seja maior no Arizona e em Nevada, os dois estados-pêndulo que terão plebiscitos sobre interrupção da gravidez em paralelo à eleição.

Nos estados do chamado Cinturão da Ferrugem, especialmente Wisconsin e Pensilvânia, o cientista político diz que a distância também deve ser grande, mas por outro motivo: a economia. A crença de muitos homens de que precisam ser provedores da família torna esses eleitores mais sensíveis a problemas como inflação e desemprego. Em ambos os temas, Trump é mais bem avaliado que democratas.

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