Editorial: Cedo ou tarde demais
A presidente Dilma Rousseff faz jus às críticas que passaram a desabar, nesta conjuntura que tem sido chamada de "tempestade perfeita", sobre ela.
Num misto de obstinação ideológica e mera incapacidade, seu governo foi perdulário, solapou a confiança econômica, afugentou investimentos e propiciou uma onda inflacionária. Havia oportunismo no delírio, pois o intento era prolongar, artificialmente, uma bonança internacional (e seus reflexos na popularidade interna) que se exauria junto com a década passada.
Os resultados foram os que se colhem quando um governo pretende dirigir, em vez de bem regular, o mercado. As distorções desencadeadas pelo intervencionismo, sobretudo se atabalhoado, cobram preço tanto mais alto quanto mais tardia sua correção. No caso, a cobrança chega como combinação apocalíptica de recessão e aumento de preços, impostos e desemprego.
Para agravar o engodo, a presidente prometera um futuro radioso não faz cinco meses. Depois de lhe garantir a vitória por mínima margem, a desfaçatez da manobra se apresenta aos olhos da maioria como revoltante estelionato eleitoral.
Ao mesmo tempo, o maior dos escândalos, ao indicar que na empresa-símbolo do Estado as gestões petistas organizaram uma roubalheira em escala jamais concebida, catalisou justa ira. Não há indícios de que a presidente tenha sido conivente com os crimes ali praticados, embora pareça clamorosa a inépcia, pois a Petrobras esteve em sua alçada quando ministra nos oito anos de governo Lula.
Ressaltado que é legítimo, numa democracia, manifestar-se pacificamente pelo afastamento do governante, esta Folha não identifica, no âmbito do que se conhece até o momento, razões suficientes para isso.
Não está evidenciado que Dilma Rousseff cometeu delitos ou abusou de seus poderes. Tem agido, até prova em contrário, de boa-fé. Mesmo sendo o impeachment um remédio constitucional, sua utilização é traumática. Por ampla que possa ser a gama de suas admissibilidades, a incompetência ou a estupidez não figuram entre elas. Somente um rigoroso convencimento quanto à necessidade de sua implementação deveria deflagrá-la.
As decisões que a presidente tomou na transição entre seus dois mandatos, embora frustrem quem nela tenha votado, são imperativas –e implicam autocrítica expressa em gestos, não palavras. Qualquer sucessor que a substituísse agora, não sendo irresponsável, teria de adotar duro ajuste econômico semelhante ao que está em curso. Melhor que prevaleça a legitimidade do voto popular.
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