editorial
O preço do esquecimento
A tecnologia muitas vezes leva o direito a situações de impasse, criando complicações com as quais não se tinha antes de lidar.
Um caso proverbial é o da evolução das técnicas de reprodução assistida, que obrigou legisladores, juízes e advogados a desenvolver conceitos para lidar com figuras até então inexistentes, como barriga de aluguel, doações de óvulo, seleção de embriões.
A revolução que a internet está a produzir sobre a memória humana também trouxe à tona questões que antes não tinham maior visibilidade ou importância.
Uma deles é o direito ao esquecimento, ora em discussão no Supremo Tribunal Federal. É legítimo que alguém possa proibir a exposição de um fato ocorrido em sua vida?
No passado, a passagem do tempo se encarregava de distinguir acontecimentos triviais, restritos a pequenos grupos e carentes de maior interesse, daqueles revestidos de valor histórico e social.
Hoje, ferramentas de busca e o acesso on-line a todo tipo de arquivo digital mudaram o cenário. Mesmo pequenos deslizes ficam para sempre na memória coletiva virtual, à disposição de qualquer um dos mais de 3 bilhões de internautas.
Um comentário infeliz feito na juventude pode custar um bom emprego duas décadas depois. Uma vítima de agressão será permanentemente assombrada pelo passado doloroso que gostaria de esquecer.
É difícil não se solidarizar com situações desse tipo. No entanto não parece haver remédio jurídico que permita responder a esses casos de maneira satisfatória, sem implicar dificuldades maiores.
Conceder a cada cidadão a prerrogativa de decidir o que pode ou não ser dito sobre si, por simpática ou democrática que pareça a ideia, atenta contra um bem coletivo maior —a liberdade de imprensa e de informação.
Num exemplo, um artista teria a oportunidade de tirar dos registros críticas negativas a sua obra. Se não parece grave o bastante, considere-se que políticos desonestos poderiam apagar todas as referências a seus atos ilícitos.
São implicações não muito diversas das ensejadas pela regra restritiva para biografias que o STF, em 2015, considerou inconstitucional.
Esta Folha, como praxe, só apaga textos ou imagens atendendo a decisões judiciais. Qualquer norma ou entendimento que criasse brechas mais amplas para a alteração do conteúdo de arquivos jornalísticos abriria caminho para o falseamento da história, ou, pelo menos, de seu primeiro rascunho.
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