Descrição de chapéu

A cidade de São Paulo deve privatizar seus cemitérios? NÃO

Respeitem a dor de quem fica

No Dia de Finados, visitante observa jazigo do ex-presidente Campos Sales no cemitério da Consolação, em São Paulo
No Dia de Finados, visitante observa jazigo do ex-presidente Campos Sales no cemitério da Consolação, em São Paulo - Diego Padgurschi - 2.nov.15/Folhapress
Simão Pedro

O agora ex-prefeito João Doria (PSDB) chamou a privatização do Serviço Funerário Municipal de "a joia da coroa" das entregas que pretendia realizar na capital, proposta lamentavelmente autorizada há alguns dias pelo Tribunal de Contas do Município.

Ele usou até um termo pejorativo para se referir às 220 mortes que, em média, ocorrem diariamente na cidade: "indústria da morte", alvo de cobiça do setor privado.

O Serviço Funerário Municipal (SFM) é um monopólio do município e assim foi pensado porque a morte é um momento de dor para as famílias, em que o amparo do Estado é fundamental.

Doria ignorou que é dos registros do SFM que saem as políticas de vigilância epidemiológica, informações sobre causa das mortes e estatísticas de violência, dados que precisam estar sob o controle público --além disso, os cemitérios são espaços de cultivo da história e cultura.

O SFM é o responsável pela gestão de um crematório, 15 agências, 118 salas de velórios e 22 cemitérios. Quando assumimos a gestão, em 2013, estava desmantelado e com déficit de R$ 18 milhões.

O quadro era produto do sucateamento programado pela gestão Serra/Kassab (2005-2012) para justificar e fazer a população aceitar a ideia de uma privatização, como agora.

O tempo de espera entre o momento da compra do serviço e a chegada do corpo para ser velado demorava em média absurdas 8 horas; velórios e crematório estavam sucateados; não havia logística racional de transporte; os preços dos serviços estavam defasados; "papa-defuntos' (agentes privados de fora) agiam clandestinamente; funcionários com baixos salários e baixa autoestima; sepultadores usando métodos antigos; contratos caros de fornecedores; e a corrupção corria à solta.

Para enfrentar a situação, reajustamos os salários dos que ganhavam menos; atualizamos as taxas; realizamos pregões eletrônicos e baixamos custos; mudamos a logística e descentralizamos o atendimento; contratamos novos carros; e reformamos o crematório para funcionar de 12 para 24 horas.

Por meio de emendas, reformamos os velórios e agências. Abrimos duas novas no IML central e no SVO (Serviço de Verificação de Óbitos) para combater os "papa-defuntos"; realizamos concurso público e compramos escavadeiras para os sepultadores. No combate a furtos, ampliamos, com a Guarda Municipal, a vigilância 24 horas dos cemitérios Consolação, Araçá e São Paulo; colocamos iluminação nos cemitérios São Pedro, Vila Formosa, Consolação, Araçá e no crematório da Vila Alpina; e devolvemos o serviço de recolha de corpos para o Estado. 

Resultado: melhoramos os serviços prestados e diminuímos o tempo de espera de 8 horas para 1 hora e meia. Em 2016, o SFM tornou-se superavitário em mais de R$ 3 milhões, como reconheceu o TCM.

Na parte da valorização da memória, estabelecemos com a PUC-SP um programa de materiais pedagógicos; aulas para docentes da rede municipal; levantamento e conservação da arte tumular; desenvolvimento de site e aplicativo para visitas autoguiadas.

Foram oferecidas atividades de música, cinema e teatro; palestras sobre o luto infantil e parental. O SFM recebeu o Prêmio "Experiência Destacada" da Associação Internacional de Cidades Educadoras pelo programa "Memória e Vida", que sintetizou a ocupação cidadã dos cemitérios.

A privatização dos serviços funerários não significa melhoras. Existem vários exemplos de onde piorou e encareceu para os cidadãos. Vamos ficar nas mãos dos "papa-defuntos"?

Os problemas que ainda persistem devem ser superados e não usados como desculpas para a privatização. A morte como objeto de lucro representa degradação moral e é contrária aos anseios de uma cidade melhor e mais humana. 

Simão Pedro

Sociólogo, ex-deputado estadual em São Paulo pelo PT (2003-2013), foi secretário de Serviços da Prefeitura de São Paulo (2013-2016, gestão Haddad)

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