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Vinicius Marques de Carvalho e Flavio Marques Prol: Pelas tabelas

Fixar preços mínimos para o transporte de cargas traz riscos

Como resposta ao caos enfrentado na última semana, o governo federal instituiu a política de preços mínimos do transporte rodoviário de cargas. Ato contínuo, órgãos públicos adotaram medidas para sua implementação, como a Resolução 5820/2018 da Agência Nacional de Transportes Terrestres. Na prática, preços de frete foram fixados em tabelas para acalmar transportadores insatisfeitos com as altas dos preços de combustíveis, em especial o diesel.

De acordo com os ministros que propuseram as medidas, o tabelamento seria necessário porque os preços de transporte estavam “subestimados”. Dois motivos teriam jogado esses preços para baixo do correto: excesso de oferta por incentivos governamentais e “elevações dos custos associados à operação dos transportadores”.

Ao analisar sob a perspectiva da oferta, se há excesso de transportadores, a resposta de quem defende o livre mercado seria “vamos aguardar que os próprios agentes econômicos reduzam a oferta”. Ou seja, se o governo defende que preços definidos pelo mercado são a melhor forma de alocação de recursos, ele deveria ser consequente e sustentar que um suposto número elevado de caminhoneiros seria resolvido pela saída desses agentes do mercado. Restaria aos caminhoneiros procurar outro emprego. Mas o impacto gerado por esse tipo de solução demonstra como o discurso econômico liberal não encontra o respaldo político que se costuma imaginar.

Além disso, preços subestimados não se explicam somente pelo lado da oferta, como os ministros confessam. Custos do transporte também são centrais para entender o fenômeno, e um dos elementos da sua elevação decorreu da política da precificação da Petrobras (e do aumento da carga tributária).

A nova política teria sido escolhida para promover a concorrência em um dos elos da cadeia de combustíveis com importados, ao atrelar os preços praticados domesticamente aos mercados internacionais. Ao decidir assim, o governo deveria saber da reação em cadeia para os demais elos: variações dos preços seriam repassadas para quem depende de combustíveis.

A reação de tabelar preços diante da crise de abastecimento, portanto, é resposta típica de situações em que um grupo de pressão consegue tirar do mercado o poder de alocação da renda em uma cadeia produtiva. Em alguns casos, essa estratégia gera uma distorção que tem como efeito a socialização dos custos para o elo mais fraco, o consumidor.

Este, por sua vez, em um sistema mal formulado, organizado aos remendos, vê sua defesa restringida a ações voluntaristas e de legalidade duvidosa dos Procons, que criam teses de preços abusivos no mínimo pouco embasadas para punir os postos de combustíveis.

Por isso, quando o setor de transporte de cargas sofreu as consequências previsíveis da volatilidade de preços, o governo nem manteve sua postura inicial de defender a volatilidade nem abandonou esse discurso e partiu para uma política regulatória mais organizada e que olhe para toda a cadeia produtiva.

Problemas econômicos de tabelamento são conhecidos. Não é por acaso que o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) trata tabelas de preços como infração à ordem econômica. Entre um regime de concorrência com produtos importados e outro de preços regulados, o governo quis os dois e ficou sem nenhum.

E a sociedade, que não escolheu nem debateu qualquer desses modelos, volta a ser fiscal de tabelas. Talvez seja o momento de tirar a camisa da seleção de 1986 e torcer para que Zico se recupere a tempo de bater um pênalti.

Vinicius Marques de Carvalho

Professor da Faculdade de Direito da USP, advogado e ex-presidente do Cade (2012-16)

Flavio Marques Prol

Doutorando na Faculdade de Direito da USP, advogado e ex-subsecretário de Planejamento, Orçamento e Administração do Ministério da Justiça (2015-16)

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