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Paulo Gustavo Guedes Fontes

É papel do Supremo deliberar sobre o direito ao aborto? NÃO

Os limites da interpretação

Vista da sede do STF, em Brasília
Vista da sede do STF, em Brasília - Pedro Ladeira - 6.mar.15/Folhapress

A ministra Rosa Weber convocou audiência pública para debater a questão do aborto nos autos da ADPF 442, em que o PSOL pede que o Supremo Tribunal Federal exclua da incidência dos artigos 124 e 126 do Código Penal o autoaborto praticado até a 12ª semana de gestação, como ocorre em diversos países.

Requer o partido, pois, que o STF descriminalize o aborto praticado nas primeiras semanas de gravidez. É sabido que por duas vezes, em ações de controle abstrato de constitucionalidade, o STF esteve às voltas com a questão do aborto. Inicialmente, a corte autorizou as pesquisas com células-tronco embrionárias (ADI 3510) e, em seguida, permitiu o aborto do feto anencéfalo (ADPF 54).

Os argumentos utilizados pelos ministros nessas decisões não representaram a descriminalização do autoaborto em geral, pois baseados principalmente na inviabilidade da vida tanto do feto anencéfalo quanto dos embriões excedentes de procedimentos de fertilização.
 
Embora eu particularmente defenda a possibilidade do autoaborto nas condições apontadas pelo PSOL, penso que a resposta para o problema não deva vir do STF.

Temos visto com frequência, inclusive nos votos dos ministros em polêmicas recentes, uma defesa sempre enfática das possibilidades da interpretação constitucional. Não se nega, evidentemente, o alcance da interpretação, mas é preciso buscar seus limites.

Não nego, repito, que a atividade judicial, e a do juiz constitucional em particular, seja criativa e inclua inevitavelmente elementos morais. Não desmereço também a importância dos princípios constitucionais, com sua estrutura distinta das regras, muitas vezes com densidade semântica e valorativa capaz de impor decisões concretas, como nos casos já citados do feto anencéfalo e das células embrionárias.

Mas há que se reconhecer que em determinadas questões, à falta de maior especificação no texto constitucional, tão somente os princípios, com sua reconhecida abertura, não constituem parâmetros normativos suficientes para a decisão. 

No caso do autoaborto, sem que se acrescentem qualificações outras como aquelas presentes nas duas decisões anteriores, concorrem concepções cognitivas e valorativas opostas que não podem ser dirimidas de forma racional com base nas previsões constitucionais gerais do direito à vida, da dignidade da pessoa humana ou do direito à intimidade da mulher.

A Constituição nem sempre tem resposta para todas as questões sociais e morais, como o aborto e a eutanásia, sendo possível uma decisão do STF baseada num juízo de insuficiência normativa e epistemológica.

Nesse caso, a corte declara que não lhe compete ponderar entre os valores em choque, deixando a decisão para o legislador, num exercício de autocontenção e reconhecendo o que Robert Alexy chamou de "princípio formal da competência do legislador democraticamente legitimado."

É difícil encontrar o ponto em que tal postura deva prevalecer, sendo útil talvez a consideração de Cass Sunstein de que "a incerteza moral, na qual a sociedade se encontra dividida", recomenda ao juiz constitucional uma postura minimalista. 

Penso que uma decisão com esse feitio poderia inspirar mais confiança na nossa jurisdição constitucional por parte da sociedade e dos demais Poderes e até contribuir para uma revalorização da Política, com P maiúsculo. 

Sem falar que eventual negativa do Supremo, considerando que o aborto é inconstitucional, poderia se revestir da natureza de cláusula pétrea, tornando-se imutável.

Paulo Gustavo Guedes Fontes

Desembargador do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, doutor em direito do Estado pela USP, mestre em direito público pela Universidade de Toulouse (França) e professor de direito constitucional do IDP-SP

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