Descrição de chapéu

América cindida

Processo de escolha para Suprema Corte vem se contaminando pela polarização partidária

Brett Kavanaugh, indicado para a Suprema Corte, durante audiência no Senado americano
Brett Kavanaugh, indicado para a Suprema Corte, durante audiência no Senado americano - Andrew Harnik/Associated Press

Donald Trump nunca prometeu governar para todos. Eleito em uma conjuntura que já se desenhava divisiva, só fez recrudescer tal cenário. Daí se depreende o grau de animosidade observado na avaliação do juiz escolhido pelo presidente para ocupar um assento na Suprema Corte.

A altercação entre republicanos e democratas se deu antes mesmo do início da sabatina de Brett Kavanaugh em um comitê do Senado. Trump provocou indignação de opositores ao se valer de uma prerrogativa do Executivo para impedir o acesso a documentos da época em que seu indicado assessorou o governo de George W. Bush.

Na terça-feira (4), primeiro dia de audiência, 70 manifestantes foram detidos pela polícia legislativa por tentarem impedir a realização da sessão. Em sua maioria mulheres, apontavam para o suposto risco de uma maioria conservadora na corte rever decisões como o direito ao aborto e a legalização do casamento gay.

No modelo americano de seleção de magistrados para a máxima instância do Judiciário, adotado pelo Brasil, presidentes têm, de fato, a chance de indicar nomes conforme sua orientação ideológica.

Por precisar de maioria simples no plenário do Senado, algo de que os republicanos dispõem, 
Kavanaugh deve receber o aval para substituir ao relativamente moderado Anthony Kennedy, que se aposentou. Estaria consolidado, assim, um bloco de 5 conservadores entre os 9 integrantes do tribunal.

Isso não implica, porém, alinhamento automático a todas as pautas de interesse de Trump ou de seu partido. A natureza vitalícia do cargo serve de antídoto, conferindo ao juiz a independência necessária para eventualmente contrariar posições de quem o colocou ali.

A prática de submeter a escrutínio público os indicados para um posto de tamanha importância mostra-se salutar —no Brasil, essas sabatinas têm ganhado mais relevância, deixando de ser mera formalidade.

Entretanto chama a atenção, no caso americano, como o processo vem se contaminando pela polarização partidária.

Cumpre lembrar que, há dois anos, a bancada republicana recusou-se a examinar as credenciais de Merrick Garland, a opção de Barack Obama para a vaga aberta com a morte do juiz Antonin Scalia. Findo o mandato do democrata, coube a Trump apontar um outro nome —Neil Gorsuch—, então aprovado por seus correligionários.

A considerar o clima de confronto que se vê com a nova indicação, os tempos de cólera nos EUA ainda parecem distantes do fim.

editoriais@grupofolha.com.br

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.