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Nara Pavão

As fake news foram decisivas nestas eleições? SIM

A força das fake news

A presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Rosa Weber, em entrevista sobre medidas contra fake news na campanha eleitoral - Pedro Ladeira - 21.out.18/Folhapress
Nara Pavão

Ao contrário do que se imagina, o verdadeiro problema das democracias não é a falta de informação da população. Longe de serem desprovidas de conhecimento, as pessoas possuem crenças factuais sobre a política. O problema é que essas crenças tendem a ser equivocadas e frequentemente tratadas como verdades absolutas.

Fake news importam porque alimentam crenças errôneas e distorcem opiniões sobre política e outros temas relevantes. Estudos mostram que informações equivocadas sobre a realidade dificultaram o reconhecimento de ameaças importantes como a mudança climática e o combate a epidemias de doenças como a aids.

Apesar desse potencial negativo, não há dados apropriados para avaliar de forma conclusiva o efeito das fake news nas eleições. Mesmo não sendo possível afirmar categoricamente que fake news foram decisivas, existem indícios de que elas importaram nestas eleições.

O conteúdo semântico dessas notícias pode ter aumentado sua força. Análises mostram que a maior parte das notícias falsas nesta eleição possui conteúdo negativo, com ataques a candidatos. Estudos mostram que esse tipo de conteúdo é particularmente aceito por quem desconfia da política ou é hostil em relação a ela.

O sentimento antissistema que marcou esta eleição é terreno fértil para a aceitação das notícias falsas.
Um estudo recente feito no Brasil confirmou que fake news com conteúdo negativo são mais resistentes à correção do que as de conteúdo positivo, o que indica a força do tipo específico de notícia falsa que predominou nestas eleições.

A força do conservadorismo neste pleito também pode ter aumentado a aceitação de notícias falsas. Apesar de a racionalidade motivada que leva as pessoas a acreditar em fake news ser uma característica geral humana, ela é mais forte entre conservadores. Um estudo recente aponta que conservadores são menos propensos a discernir notícias falsas de verdadeiras e mais resistentes à correção de informações equivocadas.

Apesar de ainda não sabermos ao certo como fake news circularam ao longo das eleições nem o seu verdadeiro alcance, existem evidências de que notícias desse tipo são repassadas com maior frequência e rapidez do que notícias verdadeiras. Sabemos também que a proximidade das eleições acentua a força das fake news, tornando-as mais resistentes à correção. 

Alguns argumentam que o impacto das fake news seria reduzido porque elas não teriam o poder de alterar as crenças das pessoas sobre a realidade, muito menos de mudar o voto. Fake news que circularam nas eleições seriam aceitas por indivíduos cujas crenças já estivessem de algum modo alinhadas ao conteúdo da notícia. Mas a racionalidade motivada não é o único determinante da crença em fake news.

Um estudo recente aponta que as pessoas acreditam em notícias falsas não só porque são enviesadas ou querem confirmar suas crenças, mas porque têm preguiça (ou baixa capacidade) de pensar analiticamente.

Esses achados são importantes para o caso brasileiro pelas seguintes razões: 1) o baixo grau educacional do eleitorado pode acentuar a força das fake news; 2) o voto obrigatório e a alta demanda cognitiva imposta pelo sistema político brasileiro a seus eleitores--que são forçados a escolher entre um número elevado de partidos--podem também aumentar a crença em fake news; 3) as grandes mudanças que ocorreram na política podem ter motivado os eleitores a desligar o piloto automático utilizado em eleições passadas.

O enfraquecimento dos fatores que tradicionalmente definiam a escolha do voto e o aumento da incerteza elevaram a demanda cognitiva do eleitor e podem ter ampliado a aceitação de fake news.

Nara Pavão

Doutora em ciência política na Universidade de Notre Dame (EUA); especialista em comportamento eleitoral e opinião pública

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