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André Sturm

Descontos em preços de livros devem ser limitados por lei? SIM

Livros, você ainda vai ter um!

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O secretário municipal de Cultura de São Paulo, André Sturm, em outubro - Marcus Leoni - 2.out.18/Folhapress

Basta surgir algo "moderno" que os mais afoitos já decidem que tudo que existe se tornou obsoleto. Lembro quando surgiu a fita VHS. Quantos "especialistas" decretaram o fim do cinema! Quem sairá de casa para ir ao cinema se pode assistir ao filme que quiser, na hora que quiser, na sua casa? As fitas de vídeo provaram-se frágeis e sumiram, as videolocadoras idem. Os cinemas seguem cheios.

No último dia 14, o colunista Hélio Schwartsman decretou nesta Folha que as livrarias são obsoletas pois ele pode comprar o livro que quiser na Amazon. Que propor limite ao desconto de preços de livros novos seria defender algo destinado a acabar. Melhor que de outro lado, na mesma página e poucos dias antes, Ruy Castro escreve na outra direção. Mas gostaria de falar de dois aspectos: o cultural e o econômico.

Existe, como no caso de Schwartsman, uma facilidade em considerar qualquer tipo de intervenção do Estado numa atividade econômica como protecionismo à incompetência. Não é o caso. Nos Estados Unidos, paraíso do liberalismo, existem órgãos públicos dedicados a evitar monopólios, dumping, trustes e outras distorções do capitalismo.

Por que a Amazon vende livros tão baratos? É mais competente? Sim e não. Apenas que ela não tem este como negócio principal. A venda de livros por valores excessivamente baixos serve para atrair clientes de poder aquisitivo para seu sítio de vendas e, a partir desse momento, tê-los submetidos a estímulos de compra dos milhares de produtos vendidos pela empresa --onde ela realmente lucra. A venda de livros não é relevante como negócio.

No primeiro semestre do curso de economia, aprendemos sobre o clássico caso da empresa grande e monopolista que, ao ver surgir uma pequena concorrente, coloca seus produtos à venda por preço abaixo de seu custo. Por ter capital, pode suportar o prejuízo por algum tempo. Seu concorrente, menor, não. Com isso, este sai do mercado. O grande volta a praticar seu preço livremente.

Temos algo semelhante no mercado de livros. Estabelecer um limite ao desconto do preço de livros novos não é protecionismo e defesa da incompetência. É proteção ao capitalismo. Que é, antes de tudo, o sistema econômico da concorrência. Cabe ao Estado intervir quando forças muito grandes ameaçam o equilíbrio do mercado.

Por décadas, nos EUA, canais de TV aberta não podiam produzir conteúdo de ficção. Tinham que adquirir. Por quê? Para garantir que muitas empresas pudessem participar do mercado. Caso os canais produzissem, teria surgido um oligopólio. O livre mercado não é a liberdade para um ou dois agentes dominarem. 

Mas temos ainda o aspecto cultural. A compra no universo digital não é a mesma experiência da compra física no caso de bens culturais. Quando você entra num sítio, busca um título específico e recebe publicidade do que esta empresa imagina que você possa se interessar usando seus incríveis algoritmos.

Quando você vai a uma livraria em busca de um livro, tem a oportunidade de ver centenas de outros, dos quais, eventualmente, nunca ouviu falar. Mas que, pela capa, pela sinopse, pela orelha, por ter folheado, chamam sua atenção e você descobre que não pode sair da loja sem ele! 
Impor algum limite aos descontos de livros em lançamento impede a concorrência predatória. Livros com mais tempo no mercado podem estar com descontos livres.

Esses descontos exagerados agora parecem muito bons, mas significarão o fim das livrarias --e quem garante que no futuro, sem concorrência, os descontos continuarão? Livrarias são catedrais da civilização! Temos que garantir sua existência.

André Sturm

Cineasta, é ex-secretário municipal de Cultura de São Paulo (jan.17 a jan.19)

Erramos: o texto foi alterado

A palavra "logaritmos" foi utilizada erroneamente neste texto; o termo correto é "algoritmos"

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