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Irapuã Santana

13 de maio: a história ignorada

Lei Áurea teve pouco impacto na melhoria de vida da população negra

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O professor e advogado Irapuã Santana - Pedro Ladeira - 06.dez.17/Folhapress
Irapuã Santana

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Todo dia 13 de maio é “celebrado” no Brasil o Dia da Abolição da Escravatura. Neste ano, o marco chega a 131 anos de existência, mas, ao contrário do que parece à primeira vista, não há motivos para comemoração.

Em verdade, precisamos aproveitar a data para desmistificar a maior fake news de nossa história. Trata-se de uma grande composição de ações estatais que, no decurso do tempo, fizeram-se parecer benéficas, mas que, na realidade, utilizando o ideal de liberdade como cortina de fumaça, provocaram atos de extrema violência, cujos efeitos são sentidos até hoje.

O Brasil passou por três leis mais famosas até a liberdade da população negra: Lei do Ventre Livre, Lei dos Sexagenários e Lei Áurea.

A Lei do Ventre Livre foi o ato governamental que declarou livres as crianças nascidas de mães escravas.

Segundo essa lei, quando nascia o filho de escravos, ele ficava com a mãe até os oito anos de idade. A partir desse momento, o proprietário da mãe decidia se entregaria a criança ao Estado, recebendo uma indenização, ou se ela trabalharia na fazenda até completar 21 anos. Ou seja, o filho de escravos não era livre, na prática.

No mesmo sentido de implantar uma ilusão de ajudar os negros, foi criada a chamada Lei dos Sexagenários, que tinha como objetivo “regular a extinção gradual do elemento servil”.

Em uma época na qual a expectativa de vida não passava dos 33 anos —entre brancos e negros—, quantos escravos conseguiam chegar aos 60 anos para serem contemplados por essa concessão de liberdade?


É chegado o momento de analisar a festejada Lei Áurea, quando se declarou extinta a escravidão no "Brazil". Para analisar a sociedade brasileira de 1888, o único censo oficial disponível utilizando especificações da população negra e escrava foi o de 1872. Nessa pesquisa, é possível identificar que a população negra da época (pretos e pardos) chegava a 5.762.134 pessoas. Desse total havia, ainda, 1.510.806 escravos —ou seja, 26,22% dos negros ainda mantinham a chamada relação servil.

É importante trazer esses números porque, ao contrário do estabelecido pelo senso comum, quando a Lei Áurea foi aprovada, a grande maioria dos negros no Brasil já estava livre, através da compra da própria alforria ou por auxílio de grupos abolicionistas.

Esse panorama mostra que a Lei Áurea teve pouco impacto na melhoria das condições de vida dos negros, ainda mais evidente quando lembramos a completa ausência de meios para estudar e para conseguir uma propriedade por parte dos recém-libertos. Foram milhões de pessoas deixadas à própria sorte.

Para arrematar e completar todos os pontos de bloqueio do acesso ao desenvolvimento socioeconômico da população negra, foi editado um decreto com o objetivo de incentivar a vinda de imigrantes europeus ao Brasil, garantindo-lhes passagem, trabalho e casa. Os quase 6 milhões de negros foram proibidos pelo Estado brasileiro de ter um lugar para morar e para estudar.


Logo, não é preciso muito esforço para concluir quem ficou com os postos de trabalho disponíveis à época e a quem foi permitido prosperar social e economicamente após o dia 13 de maio de 1888.

Infelizmente, não há o que comemorar. Os fatos mostram a violência estatal, constante contra a população negra, utilizando a roupa benevolente da concessão de liberdade, mas que, na verdade, castigava de modo visceral milhões de pessoas, com efeitos perceptíveis ainda nos dias atuais, nas suas respectivas gerações.

Irapuã Santana

Doutor em direito pela UERJ e procurador do município de Mauá (SP)

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