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Monica Galvão, Virginia Garcia e Taís Gasparian

Quando a autoridade cega

Caso do repórter que perdeu a visão está em análise no Supremo

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O repórter fotográfico Alex da Silveira após ser atingido no olho por uma bala de borracha, em 2000 - Caio Guatelli - 18.mai.2000/Folhapress
 
Monica Galvão, Virginia Garcia e Taís Gasparian

​O Supremo Tribunal Federal deverá decidir até esta quinta-feira (20) se julgará o processo de um repórter fotográfico que perdeu a visão enquanto realizava cobertura jornalística de uma manifestação na avenida Paulista, ocorrida em 2000. 

O recurso interposto deverá definir se o Estado é responsável por danos causados a profissionais de imprensa, por seus agentes, quando esses danos ocorrerem durante cobertura jornalística em atos públicos, como as manifestações. No caso, ainda que haja previsão na Constituição no sentido de que o Estado responde por danos causados por seus agentes, independentemente de culpa, o Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu que o repórter, ao se colocar no meio da manifestação para realizar a cobertura, assumiu o risco de ser ferido pela polícia e teria, assim, contribuído para o acidente.
 
Enquanto realizava cobertura jornalística para o Agora —jornal popular do Grupo Folha, que edita a Folha—, o repórter Alex da Silveira foi atingido por uma bala de borracha. Silveira, que tirava seu sustento da fotografia, perdeu a visão de um olho e desde então não consegue mais exercer a atividade. Por infeliz coincidência, ele já não contava com a visão de um olho, em razão de doença congênita. A lesão ocorrida deixou-o praticamente cego. 

O recurso defende que a regra da Constituição se aplica também a profissionais de imprensa, ainda que eles, em razão de sua atividade, eventualmente tenham que se colocar em locais de tumulto. A presença dos jornalistas em manifestações públicas não pode justificar a exclusão da responsabilidade do Estado, sob pena de que reste prejudicada a presença da imprensa nestes eventos.

Profissionais posam com tapa-olho em protesto contra decisão que culpou fotógrafo por lesão - Rubens Cavallari - 11.set.14/Folhapress


É imprescindível para uma imprensa livre que seus representantes possam estar em todos os lugares em que se desenrolem acontecimentos de interesse da sociedade: o repórter deve estar nos locais de tomada de decisões políticas, nas escolas e nas salas dos tribunais —e também em locais de conflito. 

Acima de tudo, deve-se garantir a presença segura da imprensa nos lugares em que atuam os agentes do Estado, justamente porque é à imprensa que cabe a fiscalização da atuação destes agentes. O repórter que está em uma manifestação merece toda a proteção porque deverá levar ao conhecimento dos cidadãos fatos que são de interesse público.

A decisão que afastou a indenização de Silveira pode servir como um salvo-conduto a atos violentos da polícia em manifestações públicas e, sem dúvida, funciona como um embaraço à atividade da imprensa. É um julgado que pode constituir em perigoso precedente, caso o Supremo Tribunal Federal não o reveja. 
Em junho de 2013, pelo menos 15 jornalistas ficaram feridos na cobertura das manifestações, segundo a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo).
 
O dano, nesses casos, não é individual das vítimas —nem do veículo para os quais trabalham, nem da categoria profissional, que legitimamente temerá pelo exercício de sua atividade. Quem perde é a sociedade, que não vê protegido seu direito à informação. Ao Supremo cabe, em cumprimento à sua função de guardião da Constituição, resguardar o espaço livre da palavra e da ação, o que é impossível sem a garantia de segurança para a atuação da imprensa frente ao Estado.

Monica Galvão, Virginia Garcia e Taís Gasparian

Advogadas sócias do escritório Rodrigues Barbosa, Mac Dowell de Figueiredo, Gasparian - Advogados e representantes legais do repórter Alex da Silveira

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