Recentemente, uma comissão mista do Congresso aprovou a medida provisória 881, editada pelo Executivo com o objetivo de “desburocratizar” negócios e estabelecer garantias de livre mercado.
A MP, entre outras coisas, representa risco iminente à ação reguladora do Estado, um instrumento essencial que a duras penas vem sendo construído para garantir a qualidade e a segurança de produtos e serviços, proteger consumidores e, em última instância, promover o desenvolvimento econômico sustentável ambiental e socialmente.
O texto confunde burocratização com regulação e, assim, enfraquece perigosamente a segunda. Reduzir burocracias —alvarás, carimbos e custas— é certamente algo positivo para a gestão pública. Ninguém discorda de que licenças e exigências cartoriais desnecessárias atravancam a economia e podem desestimular o empreendedorismo.
Eliminar ou mitigar a regulação de forma improvisada e apressada, por meio do sempre questionável instrumento da medida provisória, porém, apenas submete a sociedade e as empresas a maiores riscos e incerteza.
Não há qualquer medida urgente a ser tomada pelo governo a partir deste texto legal que justifique o seu envio na forma de MP. Esta opção legislativa para tratar do tema viola o art. 62 da Constituição, além de empobrecer e obstaculizar o debate público sobre tema relevante.
Ademais, a MP vai na contramão da lei das agências reguladoras, recentemente aprovada pelo Congresso. Entre outras medidas, a proposta determina que é dever da administração pública evitar o que chama de “abuso do poder regulatório”.
Tal abuso, por sua vez, está associado a uma lista de hipóteses genéricas que, a depender de como forem interpretadas, podem servir para enquadrar qualquer forma de regulação estatal como “abusiva”.
A medida provisória debilita diversas agências setoriais e, somando-se a isso a questionável interferência da União na autonomia regulatória dos estados, Distrito Federal e municípios, pavimenta o caminho para um tsunami de questionamentos judiciais.
Determina, por exemplo, que é abuso de poder regulatório restringir o uso e o exercício da publicidade e propaganda sobre um setor econômico, ressalvadas as hipóteses expressamente vedadas pela Constituição.
Com isso, o dispositivo dificulta a atuação do poder regulatório para restrição do uso e do exercício da publicidade potencialmente abusiva, o que pode impedir medidas de proteção do consumidor, em especial aquelas relacionadas à saúde da criança e do adolescente.
O texto —um verdadeiro “frankenstein” que trata de temas díspares e de outras leis sem estudos e discussões prévias com a sociedade e a própria administração pública— parece ignorar, ainda, que a Constituição, mesmo assegurando a livre-iniciativa, não deixou de atribuir ao Estado brasileiro a função de ser agente normativo e regulador da atividade econômica, razão pela qual diversas autoridades reguladoras foram criadas.
A MP pode representar, em nome do laissez-faire, uma ameaça a esse arcabouço que, em vez de fragilizado, deveria ser robustecido tanto em termos de efetividade, quanto no que diz respeito à sua legitimidade democrática.
Resumindo, ela joga o bebê fora com a água do banho, cabendo agora ao plenário da Câmara dos Deputados salvar o bebê, isto é, proteger e aperfeiçoar o Estado regulador, equilibrando a garantia da livre-iniciativa com a proteção de direitos difusos e do interesse público.
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