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Chacina paraense

Tragédias recorrentes evidenciam irracionalidade da política carcerária do país

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Mulheres parentes de detentos se desesperam na entrada de presídio em Altamira (PA) - Lilo Clareto

A carnificina no Centro de Recuperação de Altamira (PA), onde 57 detentos morreram assassinados na segunda (29), inscreve-se entre os capítulos mais hediondos de um sistema prisional que tem se notabilizado por produzir tragédias.

Para além da magnitude do massacre paraense, menor somente do que os ocorridos no Carandiru, em 1992, e no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (AM), no início de 2017, chocam os atos de barbárie.
Ao menos 16 dos mortos foram decapitados —gesto não apenas de crueldade extrema como também repleto de simbolismo.

Assusta ainda a reincidência. Apenas dois meses atrás, 55 presidiários foram chacinados em quatro penitenciárias de Manaus

O motivo apontado pelas autoridades para os dois morticínios é a disputa entre facções criminosas. No caso mais recente, ele teria sido originado do confronto entre o Comando Vermelho e o Primeiro Comando da Capital pelo domínio das rotas de distribuição da cocaína que entra pelo rio Amazonas.

A explicação, contudo, apenas evidencia a falência do poder público na gestão carcerária. Se a contenda entre facínoras foi a fagulha, as condições acabrunhantes do presídio foram a pólvora.
Lá, 343 presos empilham-se em 163 vagas, de acordo com relatório do Conselho Nacional de Justiça.

Somam-se à superlotação o déficit de agentes penitenciários, a falta de bloqueadores de celular e as estruturas precárias. 

Embora só conte com espaço para acolher presos em regime fechado, o Centro de Recuperação de Altamira abriga também detentos em regime semiaberto.

Mais grave, não há separação entre presos provisórios, que aguardam julgamento, e os que já tiveram a sentença transitada em julgado; tampouco entre detentos primários e reincidentes —promiscuidade que favorece a arregimentação de novos soldados do crime.

Termina de compor a situação medieval do cárcere paraense a ausência de enfermaria, biblioteca, oficinas de trabalho e salas de aula.

A despeito do quadro complexo, o ministro da Justiça, Sergio Moro, preferiu um discurso simplista, ao propor que os responsáveis pela chacina sejam trancafiados “para sempre” em presídios federais.

Providências do gênero, entretanto, serão de pouca serventia para impedir novos massacres se as condições que os tornam possíveis —como o excesso de encarcerados e a situação desumana dos presídios— não forem enfrentadas com racionalidade pelos governos.

editoriais@grupofolha.com.br

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