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Miguel de Almeida

Poluição sonora e do ar, os males paulistanos são...

Sem começar pelos detalhes, a vida perde o valor

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O escritor e diretor Miguel De Almeida em evento na Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) - Mathilde Missioneiro - 13.jul.19/Folhapress

Em seus três mandatos como prefeito de Nova York, o democrata Michael Bloomberg governou a cidade com o apuro de quem se veste para um primeiro encontro amoroso. Cuidou de políticas para habitação popular em bairros sofisticados (nada da pobreza de imaginação do Minha Casa, Minha Vida) e da segurança pública com igual atenção.

Mas cuidou principalmente do bem-estar de seus patrícios. Como? Dois exemplos: proibiu o cigarro em locais públicos —a começar por parques. E proibiu a buzina. Em seus mandatos, as esquinas traziam a placa “não buzine”. Inveja…

Parece frescura? O nível de ruído numa metrópole —sempre acima dos 51 decibéis indicados como saudáveis—, além do óbvio estresse, resulta em diversas doenças e até em ataques cardíacos. Tonturas, dores de cabeça, enjoos e desânimo são outros dos males advindos com a balbúrdia mal-educada. Anos atrás, o jornal The New York Times apurou em alguns restaurantes da cidade barulho equivalente a cerca de 96 decibéis —uma furadeira elétrica.

Em São Paulo, caro leitor, deve ser pior. Caso se junte a buzina desesperada dos carros (105 decibéis), a buzina torturante dos motoqueiros e o eco dos ônibus… Meses atrás, a prefeitura lançou o Mapa do Ruído Urbano. Como tarefa, um diagnóstico sonoro de todas as áreas da cidade. Algo inédito: não há essa geografia sonora da Pauliceia. Sabe-se uma coisa ou outra, como o volume de barulho no alto trânsito do Minhocão. Estimados 70 decibéis. Ou que Pinheiros é a região mais barulhenta.

Junto com a poluição do ar, a poluição sonora é um dos grandes males de metrópoles, em especial as do terceiro mundo. Por falta de descuido e de políticas públicas permissivas, caminhar na avenida Paulista equivale a duas horas na cabeceira do aeroporto de Congonhas.

Ao contrário de outras metrópoles do primeiro mundo, as cidades brasileiras padecem de um mal bastante tupiniquim. Por obra e graça do presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), desde 1997 as motos podem trafegar entre os automóveis. Para constar: em um ano tranquilo, como o de 2012, morreram 12.500 motoqueiros. FHC ofereceu aos brasileiros algo inédito até na terra da Harley-Davidson. Nos EUA, apenas a Califórnia é que permite tal modalidade de roleta-russa —e, vale registrar, em lei de 2016.

Mas São Paulo não é Nova York. Com exceções. O ex-prefeito Mário Covas criou floreiras nas ilhas das avenidas e, antes, Jânio Quadros mandou plantar árvores frutíferas —“para que voltem os passarinhos”, anotou em seu decreto municipal.

Um prefeito se preocupar com flores ou passarinhos demonstra um olhar humano sobre a cidade. Estimular prédios sem muros ou com muros de vidros —como se encontra no Plano Diretor desde 2014— auxilia a diminuir o ruído urbano, amplia a visão e ainda oferece a fruição dos jardins internos.

Junto com a poluição sonora e a do ar, por certo as calçadas sejam outras das grandes tragédias paulistanas. Esburacadas, sem padrão, desniveladas, estreitas, são um caso de lesa-pátria. E agora o pedestre disputa seu pouco espaço com as bicicletas e as patinetes.

Detalhes, sim. Sem começar pelos detalhes, a vida perde o valor.

Miguel de Almeida

Escritor e diretor dos documentários 'Não Estávamos Ali para Fazer Amigos' e 'Tunga, o Esquecimento das Paixões', é autor de 'Primavera nos Dentes' (ed. Três Estrelas)

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