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Renata Kotscho Velloso

A Iracema da nova era

'Índia de Bolsonaro' está afinada com o presidente

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Renata Kotscho Velloso

“Virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira”. Assim o romancista José de Alencar descreveu a sua heroína Iracema, protagonista do livro homônimo, um dos clássicos da literatura brasileira. 

Ysani Kalapato, a representante indígena que acompanhou o presidente Jair Bolsonaro na Assembleia Geral da ONU, é contra essa visão do seu povo: “A maioria lê esses livrinhos que antropólogos e ambientalistas escrevem e acaba criando uma ideologia do índio romantizado”, afirmou a indígena ao lado do presidente em transmissão ao vivo. 

A ativista indígena Ysani Kalapalo em Brasília - Instagram

Ysani não foi escolhida por acaso por Bolsonaro como modelo de representante indígena que ele quer propagar para o mundo, em contraposição ao cacique Raoni. O líder indígena de 89 anos, recentemente cotado para o Prêmio Nobel da Paz, “não dá mais”, segundo o presidente. “O Raoni já está bastante idoso, com todo o respeito, então alguns chefes de Estado pegaram o Raoni e cooptaram o Raoni”, declarou. 

Ysani é jovem, tem cerca de 28 anos (na sua cultura não costumam contar a idade) e reside em Embu das Artes, na Grande São Paulo. A líder indígena ficou conhecida por seu canal no YouTube, onde conta “segredinhos dos índios”. Em um dos vídeos ela explica que “o pikachu no índio é pequeno porque nossos antepassados vieram para as Américas através da Ásia”.

Em outro vídeo esclarece que “as índias têm a ‘ppk’ fechadinha porque não usam calcinha”. E um terceiro revela que “ao contrário do branco, índio não disfarça o peido, mas fede do mesmo jeito”.

Só por isso já poderíamos explicar a afinidade entre o presidente e a representante indígena; afinal, escatologia e piadas com órgãos sexuais estão entre os pratos preferidos do chefe da nação. Mas não é só.

Ysani e Bolsonaro compartilham a mesma visão de mundo. “O que o índio quer no Brasil?” perguntou o presidente para Ysani durante a “live”. “Hoje em dia o que o índio quer é progresso” respondeu a youtuber, mostrando firmeza e desenvoltura com a câmera.

“O índio de vez em quando toca fogo na mata para poder plantar?”, questionou o presidente para justificar as queimadas da Amazônia —segundo ele normais, culturais e abaixo da média dos últimos 15 anos. Ysani então revela outro segredinho dos índios: “Vixê, isso é o que mais tem nas aldeias... E depois o índio ainda aproveita para colocar a culpa no branco e tirar o dele da reta”.

O plano do presidente para a Amazônia é, nas palavras dele, “fazer um casamento entre o meio ambiente e o desenvolvimento”. Esse casamento inclui liberar turismo, agronegócio e garimpo em terras indígenas.

“Nós queremos o índio do nosso lado, são nossos irmãos”, diz Bolsonaro, antes de revelar que as demarcações já são suficientes: “Eles (os líderes europeus) achavam que a quantidade de terras demarcadas chegaria a 20% em 2022. Não vai passar. No meu governo, isso não vai passar”.

O consolo é que governos passam. E este também passará.

Renata Kotscho Velloso

Formada em administração pública (FGV-SP) e medicina (Unicamp); mora e trabalha na Califórnia em projetos de inovação médica e voltados para crianças e adolescentes

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