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Simples e erradas

Preocupa que Bolsonaro namore teses que liguem atos em países latino-americanos

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Manifestantes entram em confronto com a polícia durante protesto em Santiago, no Chile - Ivan Alvarado/Reuters

Para um observador distante, o noticiário da América do Sul nas últimas semanas talvez inspire a suspeita de que o subcontinente está imerso em um transe coletivo.

É tentador, numa era de comunicação instantânea que gera respostas rápidas, buscar enxergar um fio narrativo invisível a unir as massas que foram às ruas em países vizinhos como Peru, Equador, Chile e, agora, a Bolívia.

Isso para não falar na perene crise venezuelana ou na iminente troca de comando da Argentina.
Se é fato que os atos têm em comum a oposição às forças no poder, isso também é um truísmo que costuma ser ignorado por comentaristas de rede social —que já querem colocar os manifestantes libaneses, quiçá os de Hong Kong, no mesmo pacote sul-americano.

Sobre Peru, Equador e Chile, fala alto o oportunismo político. Representantes da esquerda continental apontam que há em curso um levante popular contra as mazelas do liberalismo econômico.

Na mão inversa, políticos à direita enxergam um complô marxista visando reinstalar governos de esquerda naquelas nações andinas.

Foi o caso do filho presidencial Eduardo Bolsonaro, que foi além e insinuou que o vazamento de petróleo presumivelmente de origem venezuelana que atinge a costa nordestina do Brasil integra uma ação concertada do Foro de São Paulo.

Cairia tal formulação no vazio não estivesse ele à frente da Comissão de Defesa Nacional e Relações Exteriores da Câmara. Pior, a fala encontrou eco na voz de seu pai.

O presidente Jair Bolsonaro disse que os protestos chilenos poderiam chegar às ruas brasileiras. Sugeriu um alerta militar e evocou o artigo da Constituição que prevê o uso das Forças Armadas para manutenção da lei e da ordem.

Se parece exagero antever algum pendor golpista na frase, é alarmante que o mandatário máximo abrace a hipótese com tal ligeireza.

O que ocorre no Chile tem um paralelo próximo com o junho de 2013 brasileiro, por seu grau de inexplicabilidade. Nada sugere um padrão de contágio possível no momento, o que naturalmente não torna o Brasil imune a protestos.

Cada uma das crises tem um estopim próprio, que vai de aumento de tarifa do metrô de Santiago ao reajuste da gasolina equatoriana.

Já Peru e Bolívia vivem algo mais próximo de uma crise institucional envolvendo seus presidentes —o caso de Evo Morales atrapalha a narrativa direitista, uma vez que ele integra o lado adversário.

O mais saudável é, na hora de namorar teses sobre o que está ocorrendo, ficar com o conselho clássico do jornalista americano H.L. Mencken: “Sempre há uma solução simples para todo problema humano —elegante, plausível e errada”.

editoriais@grupofolha.com.br

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