Tramita na Câmara dos Deputados o projeto de lei nº 3.515/15, já aprovado por unanimidade no Senado, que modifica dispositivos do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e do Estatuto do Idoso, trazendo para a legislação um conceito novo, mas amplamente vivenciado na realidade social brasileira dos últimos anos: o superendividamento.
O projeto —idealizado por profissionais e acadêmicos, entre os quais a saudosa jurista Ada Pellegrini Grinover— é de suma importância no momento em que se busca a superação da crise econômica, pois permite o resgate de milhões de brasileiros atualmente fora das relações de consumo.
Algumas medidas adotadas nos últimos anos por instituições financeiras e órgãos reguladores ampliaram as possibilidades de crédito pessoal —empréstimos consignados são o exemplo mais evidente—, mas acarretaram um aumento significativo do endividamento da população: são mais de 61 milhões de endividados, das quais 30 milhões de pessoas enquadram-se na condição de superendividadas, não possuindo renda suficiente para o pagamento das dívidas sem comprometer sua subsistência.
Nossa Constituição concebeu como direito fundamental a defesa do consumidor —e, sob essa ótica, alcançamos uma das legislações mais avançadas do mundo, o Código de Defesa do Consumidor, que mantém grande impacto social após quase 30 anos.
De 1990 para cá, as relações humanas alteraram-se profundamente. A revolução tecnológica transformou todas as formas de comunicação. Hoje, o acessível telefone celular não serve apenas para ligações, mas como aparelho de ampla comunicação telemática, no qual dados são transferidos em velocidades incríveis, por vezes sem a ciência de interlocutores. Essa revolução trouxe enormes vantagens —acompanhadas também de grandes problemas.
Como na história do gênio da lâmpada, nossos desejos hoje são ordens. Por vezes, são apresentados quando sequer sabíamos que os desejávamos. A quase instantaneidade entre impulso e aquisição traz consigo novos e complexos desafios, ausentes quando da edição do CDC.
Poucos são aqueles que tiveram uma educação com noções de planejamento financeiro. Ao contrário, somos estimulados ao consumo desenfreado, à satisfação imediata, que só se agrava com as facilidades tecnológicas à disposição. Produtos, serviços —e também dívidas— são adquiridos com poucos cliques, sem a dimensão de seu real impacto na capacidade financeira de cada um.
O superendividamento é um sintoma desses problemas, cujo tratamento passa por uma regulação adequada da oferta de crédito e, também, pela maior informação e conscientização daquele a quem se oferta. Nesse sentido, o projeto de lei nº 3.515/15 abrange desde a prevenção, com preceitos que envolvem a conscientização do consumidor e a fixação de balizas ao fornecedor, até a busca de medidas para soluções adequadas, com ênfase para os instrumentos de conciliação judicial e extrajudicial.
A aprovação dessa lei vai, assim, ao encontro do principal objetivo que sempre moveu o CDC: a proteção de quem integra a relação de consumo em posição de desequilíbrio, estimulando o consumo responsável e qualificando a cidadania.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.