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José Ruy Lozano

Por uma avaliação qualitativa e humanista da educação básica

Rankings produzem distorções nas práticas pedagógicas

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A instituição e a divulgação de rankings na área da educação, em diferentes escalas, introduziu ao debate público indicadores pretensamente objetivos para a avaliação de políticas e sistemas educacionais, ou mesmo de escolas e universidades individualmente.

O exame dos dados contidos nos rankings, que vão do Pisa, em nível global, até o Enem, em escala local, afeta a decisão de diversos agentes. Desde governos, que se veem na contingência de discutir e adotar ações para melhorar as notas de seus países, até famílias, que a cada final de ano refletem sobre a escolha da escola para seus filhos.

Lápis amarelo é apontado em apontador verde sobre fundo azul. As aparas formam um gráfico de índice em queda
Divulgado no último dia 3, o Pisa aplicado em 2018 mostrou estagnação do Brasil nos indicadores de educação por quase uma década - Catarina Pignato

É preciso colocar em perspectiva, no entanto, o que essas avaliações efetivamente medem, bem como as distorções que introduzem nas práticas pedagógicas.

Imaginemos a seguinte situação: o Ministério da Saúde resolve criar indicadores das taxas de sucesso nos procedimentos cirúrgicos de todos os hospitais brasileiros, fazendo um ranking hospitalar. A princípio, poderia parecer boa ideia: a sociedade receberia informação relevante sobre as condições e a competência dos médicos de cada unidade de saúde.

Para ganhar posições no ranking, no entanto, os hospitais particulares começam a recusar alguns casos mais graves e urgentes, que envolvem cirurgias de alto risco, alegando indisponibilidade de vagas ou o não atendimento a determinadas especialidades.

A instituição nada imaginária de rankings de escolas com base nos resultados do Enem tem efeito parecido em muitos colégios do Brasil. Afinal, para quem não é do ramo, esse é o único indicador da qualidade das escolas.

Se a percepção pública se deixa guiar dessa forma, então é preciso selecionar “bons alunos”. Paulatinamente, ao longo de todo o ensino fundamental e médio, escolas que ambicionam ranqueamento positivo vão retirando de seu corpo discente aqueles que têm maior dificuldade em aprender conteúdos acadêmicos formais.

Educação inclusiva, trabalho com múltiplas inteligências, acolhimento aos que tem distúrbios cognitivos? Nem pensar. Formação em competências socioemocionais para superar situações de indisciplina e criar comportamentos mais produtivos? Dá trabalho e o resultado é incerto. Também não é possível medir qualidade na educação básica mensurando apenas resultados em testes de múltipla escolha sobre conteúdos enciclopédicos. Ética nas relações pessoais, resiliência, criatividade, comunicação oral, capacidade de trabalhar em equipe, de liderar, empreender e resolver problemas práticos, habilidades artísticas e destreza motora são marginalizados nesse contexto. Nada disso é mensurado no Pisa, por exemplo.

Para que formar educadores que saibam despertar a curiosidade para o mundo e trabalhar de fato habilidades e competências para além da prova? Gerações de professores foram modeladas —ou adestradas— em treinar alunos para a resolução de testes, e nada mais.

A avaliação de uma escola ou de um sistema de ensino deve considerar, além do desempenho em provas objetivas, a importância e o peso do trabalho com valores, competências e habilidades diversas em seu projeto pedagógico. A formação e a titulação de seus professores, o salário que lhes é pago, a qualidade de suas estruturas são outros elementos fundamentais.

Somente uma avaliação qualitativa dessa natureza poderá superar o ranqueamento unidimensional e limitador.

José Ruy Lozano

Sociólogo e autor de livros didáticos, é membro da Comunidade Reinventando a Educação (coreduc.org)

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