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Ana Amélia Mascarenhas Camargos

A dramática situação dos direitos humanos no Brasil

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Ana Amélia Mascarenhas Camargos

O ano de 2019 foi de sérios retrocessos nos direitos humanos no Brasil. O governo eleito adotou como um de seus pilares o questionamento aos direitos humanos, com uma retórica de criminalização dos movimentos sociais e das garantias individuais. Colocou isso em prática com a desarticulação dos conselhos e o desmonte de políticas públicas e sociais. Os discursos e declarações de preconceito, intolerância e ódio foram reforçados.

De fato, não foram poucos os ataques contra os direitos humanos ao longo deste ano. O suposto pacote anticrime, que tinha como objetivo ampliar a excludente de ilicitude, incentiva os agentes de segurança a usarem seu poder letal de forma indiscriminada. O decreto liberando o uso de armas, o que aumenta a violência, tem como consequência os números dramáticos de feminicídios, ataques aos LGBTs e à população vulnerável.

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A ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, durante solenidade do Dia do Enfrentamento à Violência contra a Mulher, no Palácio do Planalto, em Brasília - Pedro Ladeira - 25.nov.19/Folhapress

Passados 71 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, estes foram constantemente atacados, difamados ou ameaçados no Brasil em 2019. Assim, mostrou-se cada vez mais necessário proteger, cuidar, resistir e agir a cada agressão.

A lista é muito extensa: omissão diante de crimes ambientais, censura, perseguição a servidores que cumprem a lei, declarações homofóbicas, ameaças a jornalistas e veículos de comunicação. O presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Felipe Santa Cruz, tornou-se alvo recorrente desse tipo de ataque, recebendo desde ofensas a seu pai até uma denúncia de calúnia por parte do Ministério Público a serviço de uma tentativa do ministro Sergio Moro (Justiça) de obstruir sua atuação como representante dos advogados brasileiros.

Na Comissão de Direitos Humanos (CDH) da OAB-SP, testemunhamos em 2019 um crescimento exponencial de demandas e denúncias. E elas não ficaram sem respostas, que vieram da atuação de mais de três centenas de advogados que hoje compõem, voluntariamente, nossa comissão, em suas diferentes frentes de trabalho. Contra a violência nas manifestações, criamos um grupo de observadores e mediadores institucionais que teve excelente eficácia na garantia da liberdade de expressão, neutralizando intimidações e provocações e corrigindo deficiências de comunicação.

Houve o atendimento e acompanhamento dos casos mais graves de violência e violações, como da Escola Raul Brasil, em Suzano, e da morte de menores em São José dos Campos, Santo André, São Vicente e na favela de Paraisópolis, em São Paulo.

Também atuamos em defesa de lideranças do movimento de moradia no centro da capital paulista, vítimas de prisões indevidas e ilegais. Criamos o Balcão de Direitos, para atender à população excluída da região da Cracolândia, e estabelecemos parcerias muito profícuas com órgãos como a Ouvidoria das Polícias do Estados de São Paulo, o Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana) e a Comissão Arns.

É de conhecimento geral que, há muitos anos, ocorrem espancamentos contra suspeitos de crimes ou miseráveis em supermercados ou em estações de trem e de metrô. Também se repetem incessantemente as notícias de mortes de jovens, na maioria negros, nas periferias.

O que parece ter mudado em 2019 foi que muitos ataques aos direitos humanos deixaram de ser naturalizados, escondidos ou ignorados. A mesma internet que distribui fake news denuncia em tempo real espancamentos, torturas e assassinatos contra vítimas indefesas, assim como casos de feminicídio, racismo e homofobia.

Foi assim nas denúncias de casos de espancamento e tortura praticados por vigias de supermercados e em diversas ações violentas de seguranças, parte delas contra crianças, jovens e idosos.

Num dos casos mais graves de violência policial neste ano, a ação da Polícia Militar em um baile funk na favela de Paraisópolis, que resultou na morte de nove jovens, a atuação da CDH da OAB-SP, em conjunto com a comunidade e entidades de direitos humanos, conseguiu o afastamento dos policiais envolvidos e a criação de uma comissão de acompanhamento da apuração.

Não podemos esquecer o grande número de suicídios dentro das corporações das polícias, fato que tem preocupado parcela de deputados estaduais, bem como recebe a atenção da CDH da OAB-SP.

Apesar da dimensão dessa tragédia, as consequências mostram que é possível interromper a escalada de violência. É um quadro em que, ao menos, há esperança de que os abusos contra os direitos humanos não fiquem impunes. Em novembro de 2018, em Guarulhos, três jovens morreram pisoteados após uma ação da PM semelhante à de Paraisópolis. Naquele caso, nenhum policial foi afastado e as investigações não responsabilizaram ninguém.

Ana Amélia Mascarenhas Camargos

Advogada, doutora pela PUC-SP e vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP

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