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Fratura indiana

Ao discriminar muçulmanos, plano promove retrocesso na maior democracia global

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Protesto contra o programa de cidadania em Kolkata, na Índia - Rupak De Chowdhuri/Reuters

Marcaram as últimas semanas, em diversas cidades da Índia, os protestos desencadeados pela aprovação da nova lei de cidadania daquele país. Maior levante popular enfrentado até hoje pelo governo de Narendra Modi, no poder desde 2014, os atos vêm sendo reprimidos com brutalidade, e ao menos 25 pessoas já morreram.

À primeira vista, parece difícil entender tamanha revolta contra um diploma que busca ofertar reconhecimento civil mais rápido para migrantes de religiões minoritárias oriundos de nações próximas.

Basta, contudo, um olhar mais detido para que se compreendam as tensões. O benefício é concedido a hindus, budistas, cristãos, parsis, sikhs e jainistas —mas não a muçulmanos, que compreendem cerca de 14% da população indiana. 

Ademais, as únicas nações contemplados na lei são Paquistão, Afeganistão e Bangladesh, justamente as majoritariamente islâmicas, ao passo que outros vizinhos, como Sri Lanka e China, não são citados.

A mensagem implícita é que nações de maioria muçulmana perseguem hindus, bem como outras minorias, e que os seguidores de Maomé discriminados nesses e em outros países não podem ser considerados refugiados, criando uma espécie de sistema hierárquico de cidadania baseado na religião.

Fica claro, assim, que a legislação nada tem a ver com o auxílio aos migrantes e tudo com a controversa agenda capitaneada por Modi, que busca marginalizar os muçulmanos e tornar a Índia um país de supremacia hindu, grupo que corresponde a cerca de 80% de seus 1,3 bilhão de pessoas.

Em agosto, o premiê indiano retirou a autonomia da Caxemira, única região de maioria islâmica, e a dividiu em dois territórios geridos pelo governo federal. Líderes foram presos, e a internet, fechada. 

No mesmo mês, iniciou-se um programa de testes de cidadania, deixando quase dois 2 milhões de pessoas, a maioria muçulmanos, potencialmente apátridas. Modi prometeu estender o processo a todo o país e vem construindo centros de detenção para abrigar os que não cumprirem os requisitos.

Mais do que preocupantes, tais medidas são em tudo opostas ao espírito dos fundadores da Índia moderna, que buscaram construir uma república democrática laica.

Embora o primeiro-ministro não dê sinais de que vá ceder aos protestos, a Suprema Corte indiana já anunciou que analisará o caso em janeiro, podendo vir a suspendê-lo. Parece o correto, para o bem da maior democracia do mundo.

editoriais@grupofolha.com.br

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