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Alon Feuerwerker

O ovo e o cacarejo

Nesse processo de reinvenção, a comunicação é a ferramenta mais estratégica

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A pandemia provocada pelo Sars-CoV-2, o novo coronavírus, trouxe com ela um paradoxo. No mundo da Covid-19, a premência da necessidade de isolar-se carrega junto um crescimento exponencial da exigência, e da possibilidade, de comunicar. As empresas, organizações e pessoas notaram de repente os imensos potenciais de comunicação oferecidos pelo universo da conectividade e passaram a usá-las como nunca.

A comunicação mostra-se essencial como em nenhum tempo antes. Vem sendo decisiva para enfrentar o vírus e a doença que ele provoca. A disseminação da informação é uma pré-vacina. Enquanto a vacina não vem, os diversos meios à disposição para trocar informações e dados ensinam às pessoas o que fazer para se proteger. Em pouquíssimo tempo, aprendemos o valor do álcool em gel, de lavar sistematicamente as mãos, de ter etiqueta respiratória e isolar-nos.

Alon Feuerwerker - Jornalista e analista da FSB Comunicação
O jornalista Alon Feuerwerker, analista da FSB Comunicação - Divulgação

Certamente aprendemos isso mais rápido que nossos antepassados e suas lições na gripe espanhola. Para não falar nas pragas e pestes de tempos mais antigos. Diferente de outras épocas, a ferramenta da comunicação instantânea permite massificar, com a rapidez da eletrônica, o conhecimento da ciência, para cada pessoa poder tomar sua decisão racional para o enfrentamento da pandemia.

E as empresas? O que no passado era até encarado como uma opção, comunicar bem para esclarecer o papel e o propósito, hoje passou a gênero de primeira necessidade, exatamente por poder informar o sentido social da marca a um custo reduzido, quando comparado aos gastos necessários no antigo mundo analógico. Também por isso, projetar em tempo real uma imagem socialmente útil virou questão de sobrevivência. Se você não faz, ou faz mal, ficará atrás da concorrência.

Num futuro não tão distante assim, a pergunta que se fará é “onde você estava e o que você fez na pandemia do novo coronavírus?”. O descuido agora com os atos e a comunicação deles cobrará um preço alto do valor da marca. Também porque não será possível maquiar: o que você está fazendo ficará arquivado na nuvem como um legado para sempre da sua imagem e reputação. Você não conseguirá reescrever a história.

Já é lugar-comum dizer que os hábitos mudarão. Nós, brasileiros, um povo acostumado a expressar afeto e proximidade, estaremos por certo entre os mais afetados. Precisaremos aprender a fazer isso de outros jeitos, e um jeito será aproveitar as possibilidades digitais para reduzir as distâncias impostas pelo vírus. Pois ainda não sabemos quanto tempo ele vai permanecer aqui, como será a sua imunização natural e quanto tempo demorará a vacina.

Então vamos todos preparar-nos para o admirável mundo novo. Se o distanciamento social radical é mesmo uma ferramenta indispensável neste curto prazo, a sociedade não pode ficar hibernando por muito tempo, pelo risco de colapsar. A hora portanto é de reinvenção. Nesse processo, a comunicação é a ferramenta mais estratégica. Será o eixo estruturante, a espinha dorsal da nova vida, que terá sim algo a ver com a antiga, mas representará uma ruptura.

Como vai ser o estudo nesse novo mundo? Hoje nossos filhos e netos estão em casa aprendendo pelo computador, pelo tablet ou pelo celular. Quando voltarem aos bancos escolares, carregarão com eles essa experiência, que vai com certeza ser incorporada à sua rotina. Por isso, professores precisarão reinventar-se como comunicadores digitais, influenciadores digitais das nossas crianças.

E o trabalho? É razoável prever que as empresas, diante de um recuo importante na atividade econômica, precisem reinventar-se e fazer crescer fortemente a produtividade. E isso depende de comunicação. Para depender menos das muitas viagens, das longas reuniões presenciais, das pesadas estruturas hierárquicas, das extensas cadeias de comando. Fazer mais com menos exigirá uma comunicação bem azeitada e com uso pleno das possibilidades digitais.

Em particular nas fábricas e plantas que exigem maior agrupamento dos trabalhadores, as empresas precisarão não só de providências para proteger o conjunto da mão de obra. Precisarão comunicar com competência para permitir um ambiente tranquilo e produtivo. E isso naturalmente vai depender de convencer de que tomaram as medidas indispensáveis para que seus colaboradores estejam, e sintam-se, seguros ao produzir.

Os serviços estão sendo particularmente atingidos, e precisarão comunicar aos clientes com muita competência que a volta às atividades será feita com medidas capazes de proteger o cidadão, a cidadã e suas famílias. Aviões e outras formas de transporte coletivo, restaurantes, bares, shoppings centers, todos deverão tomar providências criativas e, tão importante quanto, comunicá-las de modo a produzir sensação de segurança.

A pergunta mais comum nas lives e reuniões à distância na nossa experiência de isolamento coletivo é “quando voltaremos à vida normal?”, mesmo que não seja o mesmo “normal” de antes. Quando a resposta vem, ela traz uma ilusão: a de que a volta à normalidade dependerá principalmente da decisão de algum governo, de algum político, ou empresário, ou dirigente. Não. Só fará sentido falar em normalidade quando as pessoas estiverem seguras de que não ficarão doentes se viverem como viviam.

Isso vai depender, claro, dos números. Mas também, e muito, das percepções. Grandes resultados podem ser alcançados sem que impactem como poderiam ou deveriam a percepção das pessoas. Mais ainda num ambiente contaminado por disputas políticas sem limite.

Esses são exemplos práticos da importância da comunicação no planejamento e na execução de uma nova rotina, que nos será imposta. Mas não os únicos. Empresas, marcas, produtos, políticos, entidades terão que lidar com conceitos novos, como a cidadania corporativa e a licença social para operar. A maneira de se relacionar com a sociedade será ainda mais fundamental para a manutenção de relevância (e de sobrevivência).

No mundo em mudança, as empresas e seus diversos públicos precisarão ressignificar suas relações. E isso só será possível se utilizarem adequadamente as ferramentas da comunicação. E mais: o consumidor é um agente de transformação e em transformação. A empresa, o governo, todo mundo que com ele se relaciona precisará estar ao lado dele nesse processo.

É por tudo isso que um velho ditado terá papel renovado neste mundo diferente que se abre à nossa frente.

Nele, como nunca antes, não bastará pôr o ovo, será vital cacarejar.​

Alon Feuerwerker

Jornalista e analista da FSB Comunicação

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