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Saúde militarizada

Assusta o excesso de fardados na pasta que deveria ser centro contra pandemia

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General Eduardo Pazuello, que comanda interinamente a pasta da Saúde - Pedro Ladeira - 21.mai.18/Folhapress

Na terça-feira (19), o Brasil cruzou uma barreira macabra ao contabilizar mais de mil mortos pelo coronavírus num intervalo de 24 horas. Foram 1.179 vítimas do patógeno, segundo o Ministério da Saúde.

O número é certamente maior, dada a notória subnotificação verificada aqui, mais uma entre tantas mazelas locais que a Covid-19 veio apenas sublinhar —e também pelo colapso do sistema funerário do país, que mal consegue registrar os dados básicos de seus mortos (em muitos lugares o laudo omite a cor da vítima, por exemplo).

Tem-se morrido às centenas diariamente de genéricos “problemas respiratórios”, em número várias vezes superior à média histórica brasileira, para ficar apenas numa das rubricas lavradas em atestados de óbitos que devem mascarar novas vítimas da nova doença.

Mesmo considerando somente o número oficial, é aterradora a comparação com as principais causas de morte pré-coronavírus: doenças cardiovasculares, sejam infartos ou AVCs (980 pessoas na média diária de 2018), câncer (624) e causas externas, como acidentes de trânsito e violência (412), segundo as informações mais recentes do DataSUS, do Ministério da Saúde.

As cifras são tristemente eloquentes também no número de contaminados, de 291,6 mil oficialmente contabilizados até esta quarta-feira (20), o que faz o Brasil saltar de sexto para terceiro lugar no ranking mundial, atrás apenas de EUA (1,5 milhão) e Rússia (299 mil). Um de cada sete novos casos no mundo acontece aqui.

Outra marca lamentável foi atingida nesta semana —pelo governo Jair Bolsonaro. Ao empossar um coronel do Exército como seu número dois, o ocupante interino da Saúde, general Eduardo Pazuello, somou 17 militares nomeados, de qualificação ignorada, apenas nos últimos dias. É o que o humorista José Simão chamou de “Milistério”.

Blagues à parte, vai sendo desmontado aos poucos o quadro técnico organizado pelo ex-ministro Henrique Mandetta, a maioria com experiência na gestão da saúde pública federal, celebrizada em entrevistas coletivas diárias pelo uso dos coletes pretos do SUS.

A militarização começou já na gestão do sucessor de Mandetta, Nelson Teich, o Breve, cujas únicas marcas nos 29 dias de atuação terão sido o semblante sombrio e a tutelagem verde-oliva. Mas esta não se restringe à pasta.

Segundo levantamento mais recente deste jornal, feito no fim de 2019 por meio da Lei de Acesso à Informação, eram 2.500 militares em cargos de chefia ou assessoramento no governo, um recorde desde a redemocratização do país.

O número, possivelmente maior hoje, não inclui o próprio presidente Jair Bolsonaro, um tenente indisciplinado e conspirador que se tornou capitão ao ser obrigado a deixar as fileiras do Exército, seu vice, general Hamilton Mourão, e 9 de seus 22 ministros atuais.

O caso da Saúde é o mais visível. Causa alarme a presença cada vez maior de fardados numa pasta que deveria ser o centro científico e estratégico do combate à pandemia que vitimiza e empobrece uma geração no Brasil e no mundo.

Ao trocar a experiência na coisa pública pela obediência cega e a priorização da logística, Bolsonaro nem sequer disfarça seu objetivo de fazer do ministério um empório de distribuição da cloroquina e da hidroxicloroquina, suas obsessões irracionais.

As drogas —de eficácia ainda não comprovada no combate aos efeitos do coronavírus em sua fase mais branda e com efeitos colaterais importantes— tornaram-se a bandeira do governo e, desde a saída de Mandetta, sua única resposta visível à pandemia.

Nesta quarta, após determinação presidencial, o ministério divulgou documento que amplia a possibilidade de uso dos medicamentos para paciente com sinais e sintomas leves. Até então, o protocolo oficial os recomendava somente para casos graves e com monitoramento em hospitais.

No cálculo bolsonarista, não chancelado por nenhum estudo sério e não adotado por nenhum país do mundo até agora, a disseminação do medicamento levaria a uma diminuição dos casos, o que possibilitaria a implantação de um isolamento seletivo (idosos e grupos de riscos, por exemplo), com retomada das atividades normais pelo resto da população e consequente recuperação econômica.

A preocupação com a reabertura das empresas é legítima, e os governos deveriam de fato estar preparando seus planos de abandono gradual das restrições. Entretanto o presidente apequena a discussão, contaminando-a com o vírus da política inconsequente.

editoriais@grupofolha.com.br

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