Descrição de chapéu
Sandro Cabral, Carlos Melo e Milton Seligman

O imperativo da união pela democracia

Momento exige superar desentendimentos e construir pontes

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Para além da grave crise de saúde pública, com contornos de crise humanitária, a pandemia de Covid-19 catalisa problemas de ordem econômica, política e social, já em marcha no Brasil antes do novo vírus. Suas consequências são imprevisíveis. Não obstante, o presidente da República parece interessado em esgarçar ainda mais as relações e estimular conflitos.

Jair Bolsonaro despreza a liturgia do cargo não somente ao minimizar a morte dos cidadãos e a dor das famílias, aos quais jurou servir, como também anular conquistas históricas do Brasil sem oferecer qualquer plano concreto para enfrentar desafios que batem à sua porta.

Montado em um cavalo, o presidente Jair Bolsonaro cumprimenta apoiadores em frente ao Palácio do Planalto, em Brasília - Pedro Ladeira - 31.mai.20/Folhapress

É penoso observar que os conflitos entre os Poderes estão aproximando o Brasil de uma crise institucional que suga as energias necessárias ao combate dos efeitos da pandemia. Infelizmente, o país já é identificado pela opinião pública internacional como aquele que adota uma bizarra forma de tratar a crise e seu próprio desenvolvimento. Bolsonaro espelha a figura de um líder populista e disfuncional, até mesmo para os objetivos daqueles que o elegeram. É incapaz de conduzir o governo, articular as forças políticas e unir a nação, ignorando tanto o seu papel como o das demais instituições.

Acreditamos, porém, em forças sociais que desejam pautar suas vidas pelas regras do jogo democrático, pelos mais elevados princípios da política, pelo respeito à vida, pela liberdade de ideias e pela construção do bem-estar de todo nosso povo, interrompendo a trajetória atual.

Contudo, nada se fará se as forças democráticas estiverem divididas e expressando ressentimentos adquiridos ao longo dos últimos anos, na busca de uma suposta superioridade moral, intelectual ou ainda valorizando diferenças ideológicas extemporâneas.

Em situações complexas, marcadas por incertezas, é preciso construir alianças e buscar a colaboração em torno de objetivos comuns. É necessário superar desentendimentos e construir pontes. Ressentimentos mútuos, mesmo que justificados, não devem se contrapor à tarefa mais urgente de salvar e aprofundar a democracia brasileira duramente conquistada e mantida no decorrer dos últimos 40 anos.

Sentimentos destrutivos entre democratas apenas fortalecem o autoritarismo, que brada pela violência, pelo extermínio, pela eliminação de liberdades e de adversários —entendidos como inimigos. Palavras de ordem como “retorno do AI-5”, “fechamento do STF” e “fechamento do Congresso Nacional” não podem ser toleradas e exigem muito mais que notas de repúdio. É a consolidação da própria nação que está em jogo.

Enquanto as forças democráticas seguem divididas, as manifestações em defesa do autoritarismo avançam, utilizando nossos símbolos, nossa bandeira, nossas conquistas e até nosso futebol. Tentam tomar para si a identidade e o patrimônio material e imaterial que é de todos.

Por tudo isso, o presidente e seu governo colocam aos democratas a chance de vencer um imenso desafio: desprezar —mesmo que momentaneamente— as divergências que os separam e construir a convergência democrática que os une. Uma frente democrática ampla e aberta é fundamental para combater a Covid-19 e seus efeitos na saúde pública, na economia e na sociedade, tendo como base a ciência e a solidariedade.

Essa frente pode ser um exercício para o futuro, sendo instrumento para ajudar a construir um desenvolvimento socioeconômico dentro de um regime de liberdades democráticas.
Como disse o Riobaldo, de Guimarães Rosa, “o sapo não pula por boniteza, mas por precisão (necessidade)”. É evidente que as naturais divergências políticas e sociais existem e não serão superadas por mágica. Chegará o momento certo para expressá-las, de modo construtivo e democrático —ninguém imagina aproximações acríticas, já não há espaço para esse tipo de romantismo.

Logo, não se trata de “boniteza”, mas de necessidade: a defesa da democracia e as conquistas da civilização exigem aproximações. O momento exige diálogo. Uma frente democrática se coloca como um imperativo.

Sandro Cabral

Doutor em administração, é coordenador do Mestrado em Políticas Públicas do Insper e pesquisador do CNPq

Carlos Melo

Cientista político e professor do Insper

Milton Seligman

Professor do Insper, Global Fellow do Woodrow Wilson Center’s Brazil Institute e ex-ministro da Justiça (abr. a mai.1997, governo FHC)

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