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Maurício Galiotte

Hora da decisão para o futebol brasileiro

Não podemos perder a oportunidade de iniciar um reposicionamento urgente

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Maurício Galiotte

Presidente da Sociedade Esportiva Palmeiras

O futebol atingiu há algum tempo a globalização no consumo; entretanto, o Brasil, único país pentacampeão mundial, ainda não participa como fornecedor de produto acabado. Somos exportadores de matéria-prima a preços muito abaixo do mercado internacional. Basta o jogador atravessar o oceano para multiplicar o seu valor. Não dispomos de cacife para reter nossos talentos perante as remunerações oferecidas pelos times europeus e asiáticos.

Porém, a questão não se restringe ao desejo do atleta de atuar no exterior. Os clubes dependem da venda de jogadores para conseguir fechar as contas. Os nossos principais craques estão fora do país, o que deprecia o produto interna e externamente. Estamos alijados do mercado internacional de transmissão. O produto estrangeiro invade cada vez mais o nosso país, oferecendo qualidade superior a preços competitivos. Estamos perdendo espaço em nossa casa, a cada ano.

Maurício Galiotte, presidente do Palmeiras
Maurício Galiotte, presidente do Palmeiras - Mathilde Missioneiro - 13.fev.20/Folhapress

Diferentemente do que muitos apregoam, não é via preço do ingresso que conseguiremos elevar as receitas. Poucos clubes obtêm lucro relevante com bilheteria. O maior potencial de receita está na comercialização dos direitos de transmissão que, tanto aqui como na Europa, é a principal fonte de receita dos clubes, representando ao redor de 40% da receita bruta e mais de 50% da líquida.

É possível que ainda não se tenha a exata dimensão do que está em jogo com as alterações propostas na Medida Provisória 984/2020 e seu impacto sobre o futuro do futebol brasileiro. Vou tentar colocar luz em alguns aspectos que julgo relevantes.

Em todas as grandes ligas do mundo, os direitos de transmissão pertencem a quem tem o “mando” do campo. O Brasil é uma exceção. Na prática, os clubes no país não tinham um produto, pois simplesmente não havia autonomia para negociá-lo e vendê-lo sem a anuência da outra parte, o visitante. Desta forma, ficavam engessados, e seus jogos podiam até não ser transmitidos. Desatar esse nó significa dar o poder aos clubes para trabalharem o seu próprio produto, com mais liberdade, mais concorrência, mais investimentos e mais conteúdo disponível para a população.

Quanto ao modelo de negociação dos direitos, a exemplo do que ocorre em ligas que são referência no mundo, a estruturação de um produto coletivo, completo, amplia o seu valor, bem como permite maior equilíbrio na remuneração entre os clubes, favorecendo a competitividade e a consequente qualificação do produto. Isso tudo gera maior estabilidade e produtividade nas relações.

Além das questões negociais e concorrenciais, há outro aspecto muito importante: a evolução tecnológica e seu impacto nos hábitos. Parte do papel da TV tradicional na exibição de eventos esportivos será substituído por outras mídias como, por exemplo, a internet (streaming). Isso já está afetando o mercado de TV paga no Brasil e o atual modelo de PPV, com consequência imediata na receita dos clubes.

Grandes grupos digitais e de telecom, com alto poder de investimento, têm interesse nas transmissões esportivas e poderão turbinar o mercado. Para tanto, é preciso adequar a legislação para esse novo cenário, de maneira a apoiar a transformação.

O resultado natural é que a ampliação de investimentos gere aumento de receitas para os clubes, viabilizando a manutenção dos nossos craques por mais tempo no país, além da possibilidade da contratação de estrelas internacionais. O torcedor é diretamente beneficiado, pois desaparecem os apagões (jogos sem nenhuma transmissão) e mais partidas são exibidas, contribuindo para um futebol mais democrático, mais acessível e mais barato. Finalmente, a economia também é fortalecida com clubes mais saudáveis financeiramente, favorecendo a criação de empregos.

Não podemos perder a oportunidade de iniciar um ciclo virtuoso que proporcionará o devido e urgente reposicionamento do futebol brasileiro. Estamos atrasados e não há mais espaço para hesitações.​

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