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Diane E. Davis e Pedro Henrique de Cristo

Covid-19, federalismo e crise de governança no Brasil e nos EUA

Cidades devem ter autonomia para enfrentar eventos extremos

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Diane E. Davis

Socióloga, é professora de planejamento regional e urbanismo da cátedra Charles Dyer Norton e chefe do Departamento de Planejamento e Desenho Urbano da Universidade Harvard

Pedro Henrique de Cristo

Polímata, é professor-visitante de políticas públicas, desenho urbano e arquitetura na Universidad Eafit-Urbam, em Medellín, e na Universidad Diego Portales (UDP), em Santiago

Os efeitos combinados de saúde e socioeconômicos da Covid-19 têm exposto uma crise de governança no Brasil e nos EUA. Os presidentes Jair Bolsonaro e Donald Trump têm gerado uma tempestade de controvérsias com o atraso de quarentenas, a contrariedade para seguir orientações de saúde e a priorização de crescimento econômico ante a vida das pessoas.

A grande maioria dos especialistas concorda que a forma mais efetiva para uma recuperação econômica é, primeiro, superar a crise de saúde. Mesmo assim, ambos os líderes continuam a aplicar seu poder desproporcional para privilegiar a economia nacional e desafiar ou minar as ações de governadores e prefeitos que ousam focar nas condições de saúde locais e precisam de recursos federais para fazer isso.

Além de traços pessoais comuns, os dois são representantes autocráticos de um populismo de direita, caracterizado como conservador, socialmente, e neoliberal, economicamente. Ambos têm dado passos para concentrar autoridade extrajudicial nas suas mãos e buscam centralização excessiva do poder de decisão, no nível nacional, para avançar seus objetivos pessoais.

O blecaute e a manipulação de dados da Covid-19 pelo governo Bolsonaro, em simbólica moda orwelliana e em meio ao negacionismo frente à pandemia, traz fortes paralelos com a negativa do governo Trump em reconhecer a extensão da crise alimentada pelas preocupações sobre a sua reeleição, associadas a uma verdadeira contabilidade dos fatos.

Mais significativamente, Bolsonaro e Trump ameaçam a governança democrática construída sobre princípios federalistas. O federalismo está sob estresse porque a pandemia requer mais atenção, capacidade de decisão e recursos fiscais em escalas locais. Tal sistema distribui poder principalmente entre autoridades estaduais e nacionais; ainda assim, a pandemia tem causado seus efeitos mais desastrosos nas cidades e dentro delas, em regiões mais pobres.

Que a crise de saúde tem ameaçada o federalismo, mesmo que esses líderes populistas estejam colocando a saúde dos cidadãos em risco, talvez seja a lição mais importante deste trágico momento. Não é mera coincidência que o Brasil (2º) e os EUA (1º), dois dos maiores sistemas federalistas do mundo, lideram globalmente o número de casos e de mortes do novo coronavírus.

É importante notar que nossos sistemas federais devem suas origens conceituais a uma era prévia aos altos níveis de urbanização que vieram a caracterizar o Brasil (86%) e os EUA (82%). Ainda assim, para estarem preparados para o século 21, cidades e seus cidadãos precisam se empoderar para conter a crise de saúde e contrariar processos de decisão centralizados por presidentes como Trump e Bolsonaro.

Esboços desse objetivo podem ser vistos em mobilizações pelo Brasil contra as tentativas de Bolsonaro em centralizar seu controle sobre o Exército e o aparato coercivo. Eles também são evidenciados por protestos urbanos relacionados ao assassinato de George Floyd e à reação militarizada de Trump.

O que as nossas duas nações enfrentam têm implicações para o futuro, porque as ações empreendidas por Bolsonaro e Trump estão destruindo as respectivas fundações democráticas. Cercear tendências autoritárias, enquanto também se responde à pandemia, requer maior descentralização de poder. Mas como?

Precisamos usar essa crise pandêmica para criar uma maior capacidade para as cidades confrontarem eventos extremos e desafios de habitabilidade correntes. Como responsáveis pela saúde das cidades, as autoridades urbanas deveriam receber apoio institucional e recursos para intervir decisivamente nas localidades onde a vida das pessoas está sob risco.

Fortalecendo a soberania urbana no século 21, iremos superar mais efetivamente os desafios do nosso tempo e garantir um futuro viável para nossas democracias e nossos cidadãos mais vulneráveis.

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