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Nizan Guanaes

Cuidar do negócio para não perder a alma

Há uma desnacionalização da propaganda, o Brasil não se espelha mais nela

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Nizan Guanaes

Empreendedor, é criador da N Ideias e colunista da Folha

Esta sexta-feira (4) é Dia Mundial da Propaganda no país que tem uma propaganda de qualidade mundial. A prova disso, mais do que aquele monte de prêmios que a propaganda brasileira ganha nos festivais do mundo todo, é um dado concreto: boa parte das principais agências do planeta tem brasileiros na direção de criação.

Então por que metade do que você vê na TV, no digital, nas ruas neste momento do Brasil não é um “Posto Ipiranga”, “uma Brastemp” ou um “feito pra você” —aquele tipo de propaganda que vira cultura, meme e papo de bar? Falta talento? De jeito nenhum.

O publicitário e colunista da Folha Nizan Guanaes - Bruno Santos - 22.fev.19/Folhapress

Primeiro, é um problema no modelo de negócios das agências. Todos os negócios estão tendo de se reinventar. Com a propaganda, não poderia ser diferente. A propaganda vive as dores de um mundo em mudança. E as agências são competentes. Elas já estão mudando, mas a transformação ainda está no meio do caminho. Uma coisa que está no meio da construção, mas ainda sem telhado, pode parecer ao mesmo tempo obra e ruína.

As formas de remuneração também estão mudando. O digital é o futuro, mas ainda não paga pelo presente. E os clientes, pressionados no custo e nos resultados a cada trimestre, querem tudo “para ontem e por apenas”. Reclamam de publicitários juniores, mas também não querem pagar cheques seniores.

Isso está acontecendo com agência de turismo, agência de carro, agência de banco. Tudo o que tem agência no nome vai ter que se ressignificar. Como o telefone, que se reinventou e hoje se chama celular.

Mas a publicidade não vai morrer. Ela está evoluindo.

O modelo agência como existe hoje vai ter que se transformar, e eu aposto que vai renascer mais forte e melhor. Porque o pensamento publicitário vai ser sempre necessário. Da mesma forma que o jornal está mudando, mas nós sempre precisaremos de jornalismo e de jornalistas.

O Google, o Facebook, o LinkedIn estão lotados de profissionais que vieram das agências. No marketing dos principais anunciantes, também. Gente criativa, trabalhadora, séria e de qualidade.
O que o publicitário faz pode até mudar de nome, mas, na prática e no conteúdo, segue sendo publicidade e criatividade, coisas que o Brasil tem de sobra.

É por isso que os publicitários estão nas ​startups, que precisam dos fundamentos tradicionais da publicidade. E nos negócios tradicionais, que precisam do frescor e da cabeça inquieta do publicitário.

Outro ângulo do problema da qualidade do que vemos no ar é a desnacionalização da propaganda. Boa parte dos grandes anunciantes são globais. Eles usam comerciais globais que querem falar com todo o mundo, mas que, em geral, nascem de uma visão anglo-saxã.

Aquilo que Washington Olivetto, Marcelo Serpa, Fabio Fernandes tinham, só para citar alguns (o que é uma injustiça com tantos outros), está faltando agora. Vemos comerciais e posts dublados, traduzidos, pasteurizados. Não se vê mais tanto Brasil na propaganda do Brasil, e, consequentemente, o Brasil não se espelha nela.

Nesta semana, o Prêmio Caboré, o Oscar da nossa propaganda, premiou gente e empresas muito competentes que, mesmo sob condições desafiadoras, fazem a nova e boa propaganda brasileira em todas as plataformas da propaganda mundial.

O que a propaganda brasileira precisa agora é redesenhar o seu modelo de negócios. Está precisando mais de McKinseys e Falconis do que de Cannes. Para resgatar a leveza que traz a independência de dizer não. Para resgatar a publicidade que faz a propaganda ser brasileira, boa e diferente.

Como disse, várias indústrias enfrentam desafios semelhantes aos da propaganda. Cinema, teatro e música também precisam se reestruturar no mundo pós-digital. Mas a humanidade vive de resolver problemas. E a tradição do mundo é mudar. A criatividade, a energia e o talento não faltam a todos dessa maravilhosa indústria da criatividade que o nosso país tem —um patrimônio nacional chamado propaganda brasileira.

E que terá de ser criativa agora também para que a propaganda, que é a alma do negócio, não perca nem a alma nem o negócio.

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