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Gerson Salvador

O recuo para a fase amarela na quarentena em São Paulo é suficiente para conter o avanço da Covid-19? NÃO

Não podemos admitir que a situação esteja sob controle sequer relativo

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Gerson Salvador

Médico especialista em infectologia e saúde pública

A resposta do governo paulista, apresentada em 30 de novembro —um dia após as eleições municipais—, infelizmente não deverá ser suficiente para conter o avanço da pandemia de Covid-19. Por três motivos principais: subestima a situação, foi apresentada com um atraso injustificável e propõe uma intervenção limitada.

A avaliação do governo subestima a situação porque a fase amarela pressupõe capacidade hospitalar e evolução da doença relativamente controladas. Entretanto houve uma mudança clara na curva de casos de Covid-19 e de síndrome respiratória aguda grave, que estavam em declínio entre junho e outubro, e desde então apresentam crescimento notadamente na região metropolitana da capital. Para os que atribuem o aumento apenas à ampliação das testagens, houve também aumento nos óbitos.

Nesses termos, não podemos admitir que a situação esteja sob controle sequer relativo.
Sobre o atraso, destaco que houve cinco reuniões de balanço do Plano SP (que atualiza a avaliação e as recomendações de enfrentamento à pandemia) no mês de julho, apenas uma em outubro, e outra em novembro —após as eleições municipais. A reunião prevista para 16 de novembro simplesmente não ocorreu, quando médicos da linha assistencial, autoridades em epidemiologia e a imprensa livre já destacavam o crescimento das internações por Covid-19, principalmente nos hospitais privados. É nítida a interferência do calendário eleitoral no discurso (ou no silêncio) e na inércia do governador. Se houver alguma justificativa, peço ao excelentíssimo que se pronuncie.

Em que se destaque o relativo sucesso do estado de São Paulo em ampliar leitos no primeiro semestre, e adotar medidas de distanciamento adequadas àquele momento, não podemos deixar de apontar problemas na flexibilização: número de leitos disponíveis como parâmetro para liberação, abertura de bares e shoppings semanas antes dos parques e o descontrole da pandemia em regiões periféricas das grandes cidades, acometendo e matando principalmente pessoas pobres e negras.

A intervenção proposta é limitada. Os territórios que obtiveram sucesso no controle da pandemia adotaram medidas de distanciamento associadas à vigilância ativa, incorporação de tecnologias de rastreamento de contatos, suporte financeiro aos setores mais vulneráveis e políticas de comunicação clara, orientada pela ciência.

É claro que uma resposta coordenada é um desafio devido à lamentável partidarização da resposta à Covid-19, que contrapôs o governo federal —com sua liderança populista, que minimiza o impacto da pandemia e propõe o não enfrentamento como estratégia (“e daí?”)— à liderança do governo paulista, que assume a relevância da doença e propõe medidas de mitigação, mas faz concessões a pressões econômicas e adere ao negacionismo de ocasião, ao sabor dos ventos eleitorais.

Dessa forma, ambos priorizam os seus projetos políticos em detrimento de suas responsabilidades e contribuem, em graus diferentes, com o agravamento da pandemia.

É possível e necessário encontrarmos saídas; entretanto, para um tratamento adequado, é preciso fazer um diagnóstico correto. A partir de um comprometimento do setor governamental e da sociedade civil com lastro na corresponsabilidade e orientados pela realidade. Conheçamos a verdade e a verdade nos libertará.

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