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James N. Green e Paulo Abrão

O papel dos EUA no golpe e na democracia do Brasil

Abrir os arquivos secretos de 1964 é fortalecer a convergência entre os países

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James N. Green

Historiador, é professor de história e cultura brasileira na Universidade Brown (EUA); autor de 11 livros sobre o Brasil e presidente do Conselho Diretivo do WBO (Washington Brazil Office)

Paulo Abrão

Doutor em direito, foi secretário-executivo da CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos), secretário nacional de Justiça e presidente da Comissão de Anistia; diretor-executivo do WBO

Os Estados Unidos tiveram papel preponderante no golpe de Estado que, em 1964, depôs o presidente João Goulart e instituiu uma ditadura que perduraria por 21 anos no Brasil, até 1985. Da embaixada americana no Rio de Janeiro, o então embaixador Lincoln Gordon informava o presidente Lyndon Johnson sobre os acontecimentos e aconselhava-o a apoiar os militares golpistas.

Parte importante desse apoio veio na forma de pressão militar, quando navios de guerra norte-americanos desceram em direção à costa brasileira para dissuadir qualquer eventual resistência de tropas fiéis a Goulart e para encorajar os golpistas a levarem a cabo seu plano.

Tanques nas ruas do Rio durante a ditadura
Tanques nas ruas do Rio de Janeiro durante a ditadura militar - Correio da Manhã/Domínio Público

Na Guerra Fria, convinha aos EUA de então fomentar os ataques à democracia que eram perpetrados por uma elite política, econômica e militar latino-americana fiel a Washington e paranoica com o socialismo.

Levou anos até que a Casa Branca e o Departamento de Estado americano começassem a modular o apoio dado aos generais latino-americanos. Casos de tortura, execução sumária, desaparecimento forçado e até o sequestro de bebês foram elevando o custo do apoio irrestrito de Washington aos regimes militares.

Passados 60 anos, os americanos voltaram agora, em 2022, a desempenhar papel central num golpe
—só que, desta vez, do lado dos que defendem a democracia. O governo do presidente Joe Biden respaldou a confiabilidade do sistema eleitoral brasileiro e a lisura do processo que culminou na escolha de Luiz Inácio Lula da Silva como presidente.

Essa guinada não apaga o passado. Também não redime os EUA, tampouco substitui uma antiga tutela ditatorial por uma nova tutela, a democrática. O apoio americano à democracia brasileira em 2022 tem de ser entendido pelo que é: uma confluência de interesses entre dois países que vivem o assédio de uma extrema direita golpista e conectada internacionalmente.

Se em 1964 a Casa Branca agia praticamente sozinha, ecoando interesses das elites econômicas ligadas às cúpulas do poder, em 2022 vemos que o Congresso americano assume papel preponderante, de maneira conectada e concertada com a sociedade civil organizada.

Essa é uma das novidades, 60 anos depois: uma boa articulação entre as organizações e movimentos sociais dos dois países, entre as academias e a imprensa do Brasil e dos EUA, entre blocos parlamentares unidos por interesses comuns nas mais diversas áreas —meio ambiente, questão racial, combate à desinformação e melhores condições de trabalho.

Se a ditadura fez confluir forças americanas e brasileiras em 1964, hoje é a democracia o espaço de convergência. Mas, para funcionar, essa aliança precisa de atitudes concretas. A principal delas talvez seja a de, nesta data histórica, abrir os arquivos secretos dos EUA que tratam do golpe de 1964 no Brasil.

Dependemos desse material para melhor entender e descrever os acontecimentos do passado. Só assim poderemos ter uma visão compartilhada sobre a democracia no futuro.

De forma discreta, mas tenaz, temos trabalhado com universidades, organizações da sociedade civil e com ministros e parlamentares dos dois países para que seja franqueado acesso público a esses documentos. Ao fim, caberá aos dois governos o ânimo de cooperação sobre o assunto.

No aniversário de 60 anos do golpe de 1964, a ser completado neste domingo (31), consideramos importante analisar os efeitos nefastos daqueles acontecimentos, que perduram até hoje: a herança de um sistema prisional marcado por abusos, tortura e morte, assim como a persistência de uma concepção militarizada da segurança pública; a dificuldade em subordinar efetivamente o poder militar ao controle civil; a cultura de impunidade para graves violações aos direitos humanos; e a hesitação em fazer justiça à memória dos mortos e desaparecidos, assim como à dor de seus familiares.

Abrir os arquivos e lançar luz sobre esse passado é uma das formas efetivas de fortalecer a confluência democrática que hoje marca a relação entre o Brasil e os EUA —dois países que não precisam esquecer que viveram dias sombrios e não podem hesitar no compromisso de se apoiarem mutuamente para garantir um presente e um futuro democráticos.

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