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Nicolás José Isola

A inteligência artificial e a inevitável transformação social

É inadiável que estudemos o que acontecerá internamente nas pessoas

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Nicolás José Isola

Filósofo, é doutor em ciências sociais, coach executivo e consultor em storytelling

O que têm em comum os carros automáticos, a detecção antecipada do câncer de mama e algumas cervejas? A inteligência artificial (IA) que, em geral, aparece ligada à programação, às ciências da computação e à engenharia. Porém, as ciências sociais e humanas, comumente identificadas com o estudo do passado, têm muito a dizer na pesquisa acadêmica e em companhias que têm muito impacto como Facebook, Amazon ou Globant.

Boa parte dessas companhias pensa em ótimos avanços tecnológicos para mudar as nossas vidas, mas muito pouco no impacto social e psicológico que essas mudanças poderão gerar no tecido social no futuro.

No Japão, a Sony criou o Aibo, um cachorro-robô que apreende os hábitos do dono e até "muda de caráter" junto com ele.

O contexto social é propicio: mais de 30% da população japonesa supera os 65 anos. Há idosos que roubam só para irem para a prisão e ganharem companhia. Para milhares de japoneses, estar com Aibo ("companheiro", em japonês), é estar acompanhado.

Algoritmos de estimação, que armazenam informação, ouvem e sabem como seu dono pensa e reage. É assim que os algoritmos podem mudar o que hoje entendemos por "próximo": confiança, fidelidade, intersubjetividade ou amor.

É importante que nós, os filósofos e cientistas sociais, ajudemos a problematizar esses e outros fenômenos.

Nessa sociedade, na qual Aibo sabe tudo de mim, o que acaba significando "conhecer alguém"? Quem é o outro para mim? Qual o lugar para a empatia humana? O que significa ter intimidade com alguém?

Graças aos avanços em IA, já conquistamos e conquistaremos algumas facilidades e teremos mais tempo livre. Isso mudará a nossa percepção do sentido da vida, o que inclui a possibilidade de nos sentirmos ou mais proativos ou mais inúteis.

Na verdade, o problema não é a tecnologia, mas o que fazemos com ela.

Ideias antigas dos gregos, como a de justiça ou saúde, estão sendo modificadas pelos algoritmos.

Na advocacia, escritórios usam IA para responder processos, tendo em conta o histórico de casos e a jurisprudência na matéria. Na medicina, alguns psiquiatras aproveitam o monitoramento baseado na IA para melhor diagnosticar a gravidade dos pacientes.

E, assim, poderíamos seguir com mudanças sociais no futuro: como será a decisão vocacional dos adolescentes em 20 anos quando muitas profissões já não existirem? Qual será o sentido profundo de estudar neste mundo que precisa cada vez menos da memória humana e mais dos algoritmos para se orientar?

Essas são só algumas questões que emergem e merecem ser discutidas sob o olhar complementário de filósofos, antropólogos, sociólogos e psicólogos.

É inadiável que as empresas que utilizam IA e as universidades comecem a pensar no que vai acontecer internamente nas pessoas com essas transformações enormes. Temos uma certeza: a IA vai mudar nossos sentimentos sobre a realidade e nossos projetos de vida. Não trocará nossos pés, mas trocará nosso chão.

Somos nós que decidimos se o futuro será só algorítmico ou se terá um rosto mais empático, mais humano.

TENDÊNCIAS / DEBATES
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