O que têm em comum os carros automáticos, a detecção antecipada do câncer de mama e algumas cervejas? A inteligência artificial (IA) que, em geral, aparece ligada à programação, às ciências da computação e à engenharia. Porém, as ciências sociais e humanas, comumente identificadas com o estudo do passado, têm muito a dizer na pesquisa acadêmica e em companhias que têm muito impacto como Facebook, Amazon ou Globant.
Boa parte dessas companhias pensa em ótimos avanços tecnológicos para mudar as nossas vidas, mas muito pouco no impacto social e psicológico que essas mudanças poderão gerar no tecido social no futuro.
No Japão, a Sony criou o Aibo, um cachorro-robô que apreende os hábitos do dono e até "muda de caráter" junto com ele.
O contexto social é propicio: mais de 30% da população japonesa supera os 65 anos. Há idosos que roubam só para irem para a prisão e ganharem companhia. Para milhares de japoneses, estar com Aibo ("companheiro", em japonês), é estar acompanhado.
Algoritmos de estimação, que armazenam informação, ouvem e sabem como seu dono pensa e reage. É assim que os algoritmos podem mudar o que hoje entendemos por "próximo": confiança, fidelidade, intersubjetividade ou amor.
É importante que nós, os filósofos e cientistas sociais, ajudemos a problematizar esses e outros fenômenos.
Nessa sociedade, na qual Aibo sabe tudo de mim, o que acaba significando "conhecer alguém"? Quem é o outro para mim? Qual o lugar para a empatia humana? O que significa ter intimidade com alguém?
Graças aos avanços em IA, já conquistamos e conquistaremos algumas facilidades e teremos mais tempo livre. Isso mudará a nossa percepção do sentido da vida, o que inclui a possibilidade de nos sentirmos ou mais proativos ou mais inúteis.
Na verdade, o problema não é a tecnologia, mas o que fazemos com ela.
Ideias antigas dos gregos, como a de justiça ou saúde, estão sendo modificadas pelos algoritmos.
Na advocacia, escritórios usam IA para responder processos, tendo em conta o histórico de casos e a jurisprudência na matéria. Na medicina, alguns psiquiatras aproveitam o monitoramento baseado na IA para melhor diagnosticar a gravidade dos pacientes.
E, assim, poderíamos seguir com mudanças sociais no futuro: como será a decisão vocacional dos adolescentes em 20 anos quando muitas profissões já não existirem? Qual será o sentido profundo de estudar neste mundo que precisa cada vez menos da memória humana e mais dos algoritmos para se orientar?
Essas são só algumas questões que emergem e merecem ser discutidas sob o olhar complementário de filósofos, antropólogos, sociólogos e psicólogos.
É inadiável que as empresas que utilizam IA e as universidades comecem a pensar no que vai acontecer internamente nas pessoas com essas transformações enormes. Temos uma certeza: a IA vai mudar nossos sentimentos sobre a realidade e nossos projetos de vida. Não trocará nossos pés, mas trocará nosso chão.
Somos nós que decidimos se o futuro será só algorítmico ou se terá um rosto mais empático, mais humano.
TENDÊNCIAS / DEBATES
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