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O que a Folha pensa

O rastro da cloroquina

Mobilização de recursos por remédio ineficaz precisa ser alvo prioritário da CPI

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Com caixa de cloroquina e fazendo um joia, Bolsonaro divulga foto após resultado negativo de PCR para Covid-19
Jair Bolsonaro posa com caixa de cloroquina - Reprodução/Twitter

No interminável catálogo de abusos cometidos pelo governo Jair Bolsonaro ao longo da pandemia, poucos terão sido tão emblemáticos quanto a promoção de um tratamento fictício para a Covid-19.

Medicamentos como ivermectina, azitromicina, mas sobretudo a cloroquina e sua variante hidroxicloroquina, ganharam da administração federal ares de panaceia, em completo desacordo com a ciência e os princípios da boa gestão.

É não apenas natural como esperado, pois, que a comissão parlamentar de inquérito criada para apurar as responsabilidades governamentais na pandemia se debruce sobre o tema. Material de trabalho certamente não faltará.

Sobejam imagens e falas do mandatário propagandeando, exaltando e celebrando em discursos oficiais, “lives” e conversas com apoiadores a inexistente eficácia de tais drogas contra os males da Covid-19.

Mais grave: não faltam registros de que a máquina pública foi mobilizada para promover o charlatanismo sanitário. Já chegou à mão dos parlamentares um ofício de junho de 2020 em que o Ministério da Saúde orienta a Fiocruz e outros órgãos vinculados à pasta a indicar a prescrição de cloroquina e hidroxicloroquina para os que contraíram a enfermidade e a divulgar o tratamento.

Outros dois documentos, de junho e outubro, mostram que o governo federal usou a mesma Fiocruz para a produção de 4 milhões de comprimidos de cloroquina destinados a pacientes com coronavírus, num desatino que consumiu recursos emergenciais para ações contra a Covid-19.

Sabe-se ainda que, além de fabricar a droga, a administração federal se empenhou para que ela fosse distribuída a todo país, movimentando na estroinice nada menos que cinco ministérios.

O uso das substâncias, cujo estímulo contou com cúmplices de peso, como o Conselho Federal de Medicina, além de não ajudar os acometidos pela doença, pode ainda ter colaborado para mortes.

Num episódio abominável ocorrido em Manaus, revelado pela Folha, uma paciente puérpera morreu dias depois de uma sessão de nebulização de hidroxicloroquina. Atrocidades do gênero dificilmente teriam ocorrido sem o incitamento das instâncias federais ao emprego de tais medicamentos.

Cabe à CPI seguir esse rastro de incompetência, curandeirismo e indignidade, apurando os desmandos e apontando os culpados.

editoriais@grupofolha.com.br

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