Mesmo que não percebamos, as vozes das mulheres negras não ecoam, no Brasil, apenas na academia e na literatura. Há as que também se destacam no campo das artes visuais e da pintura, caso especial de Maria Auxiliadora da Silva, Rosana Paulino e Sheyla Ayo.
Três mulheres negras e pintoras que representam, nas artes plásticas, dimensões artísticas diferentes, mas não totalmente diversas, já que no fundo dialogam na dinâmica dos seus discursos afirmativos. Para cada uma delas, a arte de pintar é um ato político, militância de gênero negro, contraponto ao universo masculino e branco (ou branca).
Maria Auxiliadora da Silva (1935-1974), neta de escravizados, nasceu mineira, e em criança veio para a cidade de São Paulo. Pertenceu a “família Silva”, de 18 irmãos, filhos da matriarca Maria Trindade de Almeida Silva (1909-1991), escultora, pintora, poeta e bordadeira —foi com ela que Auxiliadora aprendeu a arte do bordado— e José Cândido da Silva, também escultor, além de tocador de acordeão de sete cordas.
Andou pelo Embu das Artes, dirigido pelo poeta e folclorista Solano Trindade (1908-1974), pai de outro artista de gênio —Raquel Trindade (1936-2018). Logo depois, conhece o marchand Werner Arnhold e crítico de arte Mário Schemberg, que a apresenta ao cônsul dos Estados Unidos, Alan Fisher.
Em 1971, Maria Auxiliadora participa de uma mostra na Biblioteca do Consulado Americano em São Paulo. A partir daí, seu nome passa a ser conhecido na Europa, com trabalhos em feiras de arte e exposições na Basiléia, Dusseldorf e Paris, entre outros.
Como artista negra, está enfeixada no crivo de "primitiva", ou näif, taxativo aos que “não tem escola”, conhecidos também por “ingênuos” ou “arte bruta”. Seus quadros, reunidos numa bela exposição do Masp há três anos, retratam tradições afro-brasileiras: a capoeira, a dança, a religião, o divino, com elementos inovadores, como a sexualidade e o alto relevo.
A partir de 1972, Maria Auxiliadora travou uma batalha contra o câncer, passando por seis operações, além de tentar a cura em centros espíritas e no candomblé, retratados em sua arte.
Rosana Paulino (1967) é uma artista visual, educadora e curadora. É doutora em artes visuais pela Escola de Comunicações e Artes da USP, a Universidade de São Paulo, e especialista em gravura pelo London Print Studio.
Suas obras retratam questões sociais do nosso tempo, do cotidiano, envolvendo etnia e gênero, no que dizem respeito à mulher negra brasileira. Suas pinturas e esculturas são questionadoras, denunciando a violência contra a população negra, a exemplo de suas esculturas-objeto, esculturas-gravura, fotografias-pintura e instalações.
Em 2018, após 25 anos de carreira, foi a primeira artista negra brasileira a ganhar uma exposição individual na Pinacoteca de São Paulo.
Em outro patamar está Sheyla Ayo (1977), nascida em Guarulhos, artista visual e multimídia formada em artes visuais com pós-graduação em história da arte pela PUC-SP, a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Sua pesquisa envolve desenho, pintura, fotografia, criação de diálogos com a ancestralidade feminina e o “refazimento” das trajetórias da história da mulher negra, na busca de suas raízes. É inerente ao seu trabalho a herança dos seus antepassados como referência diaspórica de sua identidade e sexualidade, em rompimento de estereótipos tradicionais e paradigmas arraigados.
Questionadora, ela chegou a produzir parte de suas obras com tinta gerada do sangue de sua menstruação. Está entre as artistas da “novíssima geração” ao lado de Lídia Lisboa ou de Renata Felinto, com indagações e diálogos potentes com a temporaneidade, além do forte olhar sob o foco do empoderamento feminino, cujo centro é seu lugar de fala, através da pintura e das artes.
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