Com o recrudescimento da epidemia de Covid-19 neste 2021, muitos se indagam sobre a razão de governadores e prefeitos não reabrirem hospitais de campanha e não multiplicarem leitos de unidades de terapia intensiva. Essas não são as perguntas corretas.
O modelo de hospitais emergenciais se mostrou problemático. Vários acabaram ociosos. Com o tempo ficou claro que fazia mais sentido abrir vagas nas unidades existentes, sem necessidade de replicar todas as estruturas de apoio nelas disponíveis, de secretaria e farmácia a cozinha e lavanderia.
As vagas de UTI foram, sim, aumentadas —muito. Em um ano de pandemia, mais de 25 mil leitos da modalidade foram incorporados aos 41 mil preexistentes nas redes pública e privada de hospitais, um incremento de 61%.
Pouco adiantou, como provam as estatísticas de ocupação. Nada menos que 21 das 26 capitais estaduais viram suas UTIs ultrapassarem 90% de lotação, o que na prática torna inadministráveis sistemas para alocar pacientes graves.
Há limites objetivos para a expansão contínua. É finito o número de médicos e enfermeiros especializados. Não resolve instalar camas e respiradores se não houver pessoal treinado para operá-los e executar procedimentos específicos.
A velocidade de contágio cresceu tanto que rareiam não só recursos humanos, mas suprimentos. A tragédia do oxigênio em Manaus, em janeiro, foi só amostra do que viria: 1.068 de 2.411 prefeituras ouvidas pelo Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) relatam risco de desabastecimento em dez dias.
Não bastasse a falta do gás, escasseiam medicamentos necessários para intubar pacientes, como sedativos e bloqueadores musculares. Não surpreende que, com a demanda sobrepujando a oferta, os preços tenham disparado até 220% acima dos valores pré-Covid.
Mesmo no estado mais rico, São Paulo, meio milhar de doentes morreram à espera de vaga em UTI, e isso apenas desde março.
No cenário dantesco, Jair Bolsonaro vai a Chapecó (SC) e mais uma vez promove tratamento precoce fraudulento. Correligionários seus, na Prefeitura de Bauru (SP) ou no Supremo Tribunal Federal, repetem o sofisma sinistro que põe a aglomeração em templos e bares à frente do direito à vida e à saúde.
Nunca foi tão urgente repetir: até que a vacinação permita a superação da epidemia, apenas o distanciamento social pode diminuir o impacto do desastre já consumado.
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