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Quem ganha com os incentivos fiscais?

Volume de recursos precisa ser avaliado de forma criteriosa e participativa

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O Brasil atravessa um dos momentos mais dramáticos de sua história. A pandemia de Covid-19, que já tirou a vida de mais de 468 mil brasileiras e brasileiros, agravou e escancarou nossa histórica desigualdade social, produzindo um quadro desolador, em que mais da metade da população sofre de insegurança alimentar e mais de 14 milhões de pessoas estão desempregadas.

Some-se a isso a piora da situação fiscal, resultante do necessário enfrentamento à pandemia, que legará ao Estado brasileiro enormes dificuldades de investimentos sociais —e estes serão fundamentais para que o país possa se reerguer, garantindo condições mínimas de dignidade aos grupos mais vulneráveis.

Nesse contexto, é urgente e oportuna a discussão sobre os incentivos fiscais concedidos pelo governo federal a empresas, instituições e pessoas físicas. No caso de isenção a uma empresa ou a um determinado setor, o governo abre mão de recursos que poderiam ser aplicados em políticas públicas que beneficiariam diretamente a população na expectativa de que tal medida possa incentivar o crescimento econômico e gerar empregos.

No Brasil, esses incentivos fiscais chegam a R$ 300 bilhões todos os anos, quantia correspondente a cerca de 5% do nosso PIB ou 20% de tudo o que arrecadamos. Isso equivale a 11,5 vezes o valor do Bolsa Família ou praticamente o total gasto com o pagamento do auxílio emergencial para enfrentar a pandemia em 2020. É mais que o governo federal gasta com saúde e educação somados. Quase 75% desses incentivos não possuem prazo para expirar. E esse valor ainda é subestimado, pois não leva em conta incentivos de outras esferas federativas nem outros tipos de incentivos fiscais cuja mensuração pela Receita Federal é imprecisa.

Particularmente preocupante é que, muitas vezes, tais incentivos levam ao desfinanciamento de políticas sociais, como as do tripé de nossa seguridade social: saúde, Previdência e assistência social, que são penalizadas toda vez que o governo federal fornece redução do Pis/Cofins. Também alarmante é quando esses incentivos são dirigidos a atividades com impactos negativos na saúde e no meio ambiente, como os R$ 4 bilhões concedidos à indústria de refrigerantes, o R$ 1,7 bilhão destinado aos agrotóxicos ou os R$ 28 bilhões direcionados à produção de petróleo e gás anualmente.

Um volume de recursos dessa magnitude transferido pelo Estado ao setor privado, muitas vezes aplicados em atividades que são prejudiciais ao desenvolvimento econômico e social do país, precisa ser monitorado e avaliado de forma criteriosa e participativa. Isso não acontece hoje. Não sabemos quem recebe esses incentivos e quais os valores recebidos por eles. Por isso, as organizações da sociedade civil abaixo assinadas se uniram para jogar luz sobre essa questão.

É com transparência que conseguiremos fazer um debate mais aprofundado do tema. Sem acesso a tais informações, governo e sociedade ficam no escuro para avaliar se os benefícios concedidos às empresas têm tido retornos positivos e transformado a realidade. Enquanto os dados sobre quem recebe e qual é o valor destinado ficarem em segredo, não é possível dizer se essa política promove o desenvolvimento ou reforça as desigualdades.

Há, no contexto atual, oportunidades de mudanças: 1 - no âmbito da reforma tributária, cujas discussões foram retomadas; 2 - na esteira da já aprovada PEC Emergencial, que determina a redução gradual de alguns incentivos; e 3 - por meio do projeto de lei complementar 162/2019, que propõe a transparência nos incentivos fiscais para pessoas jurídicas e está na última comissão da Câmara após já ter sido aprovado no Senado. Ao mirar a revisão de privilégios e a equidade econômica, esta pauta tem o potencial de unir esquerda e direita na construção de um Estado mais justo e eficiente.

Para que o país possa se reconstruir, com capacidade de investimento para promover o desenvolvimento sustentável e o enfrentamento às desigualdades, é fundamental e urgente que nossas atenções se voltem aos incentivos fiscais. Só poderemos avaliar criteriosamente onde o Estado deve aplicar seus recursos quando tivermos acesso completo a essas informações. E o primeiro passo para isso é exigir do governo federal a transparência na concessão desses incentivos.

Juliana Acosta
Enfermeira e integrante da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida

Laila Bellix
Gestora de políticas públicas e estrategista na Purpose Brasil

Livi Gerbase
Assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)

Marcello Baird
Cientista político e coordenador de advocacy na ACT Promoção da Saúde

TENDÊNCIAS / DEBATES
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