Os profissionais da educação desejam a volta às aulas presenciais porque é na escola que a experiência pedagógica é vivida como processo intersubjetivo e como prática de liberdade.
Repetir a lição de Paulo Freire trazida no artigo publicado em janeiro deste ano (“Sem condições para um retorno seguro”) é proposital: nunca se desejou outra coisa. Mas isso não significa que as condições oferecidas pelo governo João Doria (PSDB), com a pandemia de Covid-19 ainda longe do fim, sejam adequadas. Tampouco que se concorde com elas.
É preciso, de início, registrar vitórias importantes nesse intervalo. A Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) obteve, ainda em janeiro, decisão judicial que proibia a volta às aulas durante as fases vermelha e laranja do Plano SP, posteriormente confirmada em sentença.
Em fevereiro, o sindicato deflagrou uma greve sanitária que marcou sua posição em defesa do direito à vida. Fez isso sem prejudicar os estudantes, pois sua assembleia manteve as atividades pedagógicas em ambiente virtual. A greve ampliou o diálogo com as famílias, e menos de 5% dos alunos retornaram às escolas.
Como resultado dessa mobilização, a Apeoesp conquistou a priorização dos profissionais no plano de imunização estadual.
Essas vitórias mostram que o estado age, quando muito, de forma reativa, e sempre sob forte pressão. Não é o que espera o cidadão. Tampouco o contribuinte, único responsável por garantir R$ 35,4 bilhões do orçamento da Educação em 2021.
Nada foi feito, por exemplo, para dar conta dos problemas apontados no artigo de janeiro —82% das escolas continuam com não mais que dois sanitários para os estudantes; 13% permanecem sem quadra ou ginásio; e 11% estão sem pátio para atividades ao ar livre.
O governo poderia ter se inspirado em experiências internacionais. Na Alemanha, estudantes são testados uma vez por semana, e salas estão limitadas a 15 alunos, com distância mínima de até dois metros. No Reino Unido, a testagem ocorre duas vezes por semana.
Nos Estados Unidos, há divisórias de acrílico entre as carteiras. Na França, adotou-se de sistema de revezamento de turmas. Aqui, determina-se que professores voltem mesmo sem ter tomado a segunda dose da vacina há pelo menos 14 dias.
Além de medidas assim, a Apeoesp defende reformas profundas na estrutura física das escolas para prepará-las para uma realidade na qual salas de aula com mais de 40 alunos não têm mais lugar. Defende, ainda, a realização de um diagnóstico sobre as perdas na pandemia e um plano de recuperação de aprendizagem com base numa metodologia que trabalhe os conteúdos perdidos com o desenvolvimento regular do currículo, por meio, entre outros, de contratação e capacitação de professores.
O sindicato defende também um amplo debate público que permita refundar a escola, considerando variáveis como o desafio da inclusão, os novos padrões de segurança alimentar e nutricional, o lugar da tecnologia no processo educativo, o papel dos espaços não-formais de aprendizagem —tais como as praças e os equipamentos públicos de cultura e lazer— e o alinhamento da política pedagógica com a concretização de compromissos civilizatórios profundos, alicerçados no que dizem a razão, a ciência e as evidências.
Num país que, de acordo com calculadora do Centro de Liderança Pública (CLP), os professores precisariam trabalhar 10 mil anos para bater o teto do funcionalismo público no ritmo atual de progressão salarial, só há uma certeza: a distância entre o sonho e a realidade só será encurtada com mobilização de toda a sociedade.
TENDÊNCIAS / DEBATES
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