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Alexandre Dias Porto Chiavegatto Filho, Marcos Paulo de Lucca-Silveira e Lilian Furquim

Quem deve se vacinar primeiro?

Para evitar desperdícios, precisamos modelar o risco individual em vez de usar abstrações como grupos de risco

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Alexandre Dias Porto Chiavegatto Filho, Marcos Paulo de Lucca-Silveira e Lilian Furquim

A pandemia da Covid-19 revelou a importância de questões de justiça e de alocação de recursos escassos na área da saúde. Hoje ainda não temos vacinas disponíveis para todas as pessoas. Por isso, critérios de ordenamento têm sido criados, organizando uma fila de quem e quando recebe a sua tão esperada dose.

No Brasil, com algumas variações estaduais e municipais, os critérios de prioridade de vacinação adotados têm sido fundamentalmente baseados em idade, presença de comorbidades, deficiências, vulnerabilidade extrema e categorias profissionais (trabalhadores essenciais). Será que a adoção desses critérios é a melhor resposta para a questão ética de como devemos alocar essas vacinas?

Para respondermos a essa questão, precisamos, em primeiro lugar, identificar quais os princípios éticos que devem balizar nossas decisões para, em um segundo momento, avaliarmos se os critérios adotados realmente respeitam ou maximizam os objetivos propostos.

Primeiramente, cada pessoa tem um valor igual, não importa o local em que viva e suas características. Ao alocarmos vacinas devemos buscar beneficiar pessoas e limitar as diferentes formas de danos (seja a morte ou sequelas). Ou seja, esse princípio ético central resulta em que pessoas com maior risco de desenvolverem eventos graves de saúde, caso infectadas, recebam a vacina de forma prioritária.

Em segundo lugar, também devemos buscar reduzir a alta taxa de contágio, priorizando assim a vacinação de pessoas com maior risco de serem infectadas e de transmitirem o vírus Sars-CoV-2.
Outros pontos, por mais que possuam relevância ética, devem ser secundários nesse estágio de ordenamento da fila de vacinação.

Questões como buscar priorizar a reabertura de escolas e a sobrevivência econômica não podem deslocar o enfoque dos critérios acima apresentados —centrados em maximizar o número de vidas salvas e reduzir os danos e as sequelas entre aqueles que irão se infectar—, funcionando, quando relevantes, como pesos e contrapesos com um grau de importância moral inferior.

Para garantir a priorização dos critérios anteriormente identificados, é necessária a identificação do risco individual para cada um desses dois conceitos. A área especializada nesse tipo de desafio é hoje conhecida como inteligência artificial, em que algoritmos preditivos de machine learning conseguem aprender com exemplos a identificar a probabilidade individual da ocorrência de eventos, dadas as características específicas de cada pessoa.

A priorização que utiliza o conceito de “grupos de risco” é demasiado simplista e não consegue lidar com a complexidade de fatores que afetam a incidência de eventos de saúde ou as diferentes taxas de transmissibilidade da doença.

É, por exemplo, frequente o relato na mídia de casos de pessoas com muitos “fatores de risco”, como idosos e indivíduos com diversas comorbidades, que se curaram de Covid-19 sem sintomas graves. Para evitar desperdícios de vacinas e salvar o maior número de vidas possíveis, precisamos modelar o risco individual em vez de usar abstrações reducionistas como a de grupos de risco.

Um desafio natural dessa solução é a disponibilidade atual de dados para realizar uma ordenação individual. No entanto, a conscientização da necessidade de termos uma predição individual de risco é fundamental para que, em potenciais novos desastres de saúde pública, haja uma demanda para a realização desse tipo de estudo, com o planejamento prévio, o financiamento e os cuidados necessários para garantir a privacidade dos dados.

Para evitar que um novo evento dessa magnitude ocorra, precisamos pensar grande em vez de nos resignarmos apenas com o que temos hoje.

Por meio da união entre esses dois parceiros improváveis, a ética e a ciência de dados, será possível resolver com muito mais eficiência e custo-efetividade alguns dos principais desafios que teremos pela frente nos próximos anos, especialmente na área da saúde.

Alexandre Dias Porto Chiavegatto Filho

Economista, pós-doutor por Harvard e professor de saúde pública da USP

Marcos Paulo de Lucca-Silveira

Professor da Escola de Economia de São Paulo/FGV

Lilian Furquim

Professora da Escola de Economia de São Paulo/FGV

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