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Rafael Valim e Antonio Corrêa de Lacerda

As centrais de cartórios e os falsos liberais

Associações têm obtido receitas milionárias sem qualquer tipo de controle

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Rafael Valim

Professor visitante da Universidade de Manchester e diretor do Instituto para a Reforma das Relações entre Estado e Empresa (Iree)

Antonio Corrêa de Lacerda

Presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon) e professor da Faculdade de Economia, Administração, Ciências Contábeis e Atuariais da PUC-SP

No Brasil, no que toca às decisões de políticas e medidas econômicas, muitas vezes as disputas ideológicas não correspondem exatamente às suas vertentes de origem. Governos que se apresentam como de “esquerda” promovem medidas liberalizantes, e governos que se proclamam de “direita” contrariam os mais elementares preceitos do liberalismo econômico.

É o que assistimos em matéria de serviços notariais e de registro, os quais constituem atividade pública exercida em caráter privado, por delegação do poder público.

A lei 11.977/2009 determinou que todos os cartórios do país prestassem seus serviços por meio eletrônico. O Marco Civil da Internet (lei 12.965/2014), por sua vez, consagrou bases de dados descentralizadas, interoperabilidade e pluralidade tecnológica.

Mais um passo foi dado com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (lei 13.079/2018), promulgada no contexto do escândalo internacional da empresa Cambridge Analytica com o propósito de garantir a chamada “autodeterminação informativa” ou, em outras palavras, assegurar que os dados pessoais não sejam transferidos a terceiros sem prévia e explícita autorização.

Diversos atos administrativos do Conselho Nacional de Justiça, porém, proibiram que os cartórios oferecessem diretamente seus serviços pela internet, atribuindo a prestação eletrônica dos serviços de notas e de registros para associações de cartorários, escolhidas sem qualquer procedimento licitatório.

As mencionadas associações de cartorários passaram a cobrar taxas dos usuários e dos próprios cartorários, disso resultando receitas milionárias, sobre as quais jamais incidiu qualquer controle. Ao mesmo tempo, bases de dados pessoais dos brasileiros foram criadas, sem o conhecimento e muito menos autorização dos titulares dos dados.

Agora, em um governo cuja equipe econômica diariamente se regozija de ser “liberal”, pretende-se consolidar, de maneira ilegal, um monopólio em favor das associações de cartorários. Uma medida provisória, gestada cuidadosamente na Secretaria de Política Econômica do Ministro da Economia, está em vias de criar um “​superintermediário” monopolista que impede o acesso direto e desimpedido da sociedade brasileira aos cartórios na internet e, a um só tempo, confiar a uma pessoa jurídica de direito privado uma extraordinária base de dados pessoais.

Desnecessário dizer que monopólio é o oposto de concorrência e tampouco combina com liberalismo. Para além da flagrante ilegalidade da medida provisória, o governo Bolsonaro pode entrar para a história como um dos grandes inimigos do mercado nacional.

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