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Ainda que efêmera, trégua de Bolsonaro mostra força de instituições democráticas

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O presidente Jair Bolsonaro, em montagem de fotos - Pedro Ladeira/Folhapress

Crises sucessivas marcam a história recente do Brasil desde que, em 2014, os anabolizantes irresponsavelmente administrados para sustentar a atividade econômica se dissolveram e o país começou a mergulhar numa recessão profunda.

A recuperação iniciada dois anos depois mal acompanhou o ritmo de crescimento da população. Essa trajetória claudicante foi interrompida pela debacle mundial provocada pela pandemia.

O retrato do país que emerge desses sete anos de tempestades revela desemprego alto, renda corroída, contas públicas estorvadas, inflação, juros e desigualdades rampantes, energia escassa, moeda depreciada e investidores em fuga.

O conjunto de flagelos simultâneos veio somar-se aos redutores estruturais do progresso nacional.

A insegurança das regras econômicas, a predação do Orçamento, a baixa eficiência dos serviços públicos e a escolarização precária da maioria —agravada pela longa ausência das aulas presenciais— estão onde sempre estiveram.

Tudo de que o Brasil prescindia nesse período de acúmulo de problemas era um governo como o de Jair Bolsonaro, incapaz na administração da máquina federal e também no manejo da política.

Diagnósticos errados —a começar dos exarados pelo presidente da República—, assessores de qualidade deplorável e a condução ginasiana das relações com outros Poderes e organizações estatais realizaram a proeza de piorar um quadro em si mesmo grave e de difícil encaminhamento.

Aos mil dias do experimento bolsonarista, e a 15 meses do fim do mandato, equivaleria a um exercício de fé, descolado da realidade, predicar a melhora do aspecto gerencial do governo. Essa poderá tornar-se uma expectativa razoável, a depender das urnas, a partir de janeiro de 2023.

Já o presidente da República poderá desde logo contribuir para a distensão do ambiente institucional, desde que consiga reprimir os seus instintos mais primitivos, exibidos em toda sua rudeza nos comícios do Dia da Independência.

Prova-o o intervalo de poucas semanas que se iniciou quando Bolsonaro colidiu com o muro da deposição constitucional e decidiu, com o inusitado auxílio do ex-presidente Michel Temer (MDB), refrear a cavalgada golpista.

Ao comando do chefe, como costuma acontecer em solidariedades de tipo tribal, os arruaceiros do bolsonarismo puseram-se em retirada. Nesse contexto menos belicoso, o ministro Alexandre de Moraes revogou ordem de prisão preventiva de um militante digital das causas do presidente.

Do Tribunal Superior Eleitoral vieram sinais de que, dentro da institucionalidade, há caminhos para lançar ainda mais luz sobre o exemplar processo de votação brasileiro. A corte adicionou um integrante das Forças Armadas à comissão multifacetada de transparência das eleições.

Quando Jair Bolsonaro deixa de ameaçar e atacar diariamente o Supremo Tribunal Federal, os motivos para o Senado continuar postergando a sabatina do indicado do Planalto à corte, que já não eram indiscutíveis, se enfraquecem.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), captou corretamente o desanuviar da atmosfera quando se juntou às vozes que estimulam Davi Alcolumbre (DEM-AP) a marcar para logo a inquirição de André Mendonça na Comissão de Constituição e Justiça.

Há bons argumentos para os senadores recusarem a condução do ex-ministro da Justiça à vaga aberta pela aposentadoria de Marco Aurélio Mello, mas não mais para deixarem de cumprir seu dever de examinar o indicado presidencial.

Ninguém que acompanhou os últimos mil dias de noticiário atribuirá alta probabilidade à hipótese de que Bolsonaro consiga sustentar por muito mais tempo o comportamento daquele que, se não ajuda, ao menos atrapalha menos.

Se ele enxergou mesmo o fato óbvio de que sua única chance de permanecer no cargo em 2023 é vencer as eleições, contribuir para a normalização do cenário institucional seria o meio natural de tentar equacionar os desafios mastodônticos para recuperar popularidade e competitividade.

Apenas com tranquilidade na governança o país poderá atender ao anseio de ampliar a proteção aos mais pobres sem apelar a invencionices fiscais —que seriam, no quadro vigente, de pronto traduzidas em mais inflação e descrédito.

Em qualquer hipótese, resta indiscutível que sai vencedora a preferência da população, de seus representantes e das instituições pela normalidade democrática, a ser novamente consagrada nos pleitos marcados para o próximo ano.

editoriais@grupofolha.com.br

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