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Andre Mira

A reforma que precisamos

Após cinco séculos, ideais de Martinho Lutero ainda se fazem necessários

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Andre Mira

Reverendo e pastor-presidente da Igreja Batista em Perdizes (São Paulo); é graduado em teologia, estudos religiosos, psicologia psicanalítica e mestre em estudos bíblicos e judaicos (University of London e King’s College London)

Neste findar de Outubro Rosa, mês dos idosos e de Halloween, nem sempre ouvimos aqui na incompetente América Católica, parafraseando Caetano Veloso, a histórica Reforma Protestante.

Há 504 anos, em 31 de outubro de 1517, Martinho Lutero, um monge augustiniano, fixou na porta do castelo-igreja de Wittenberg, na Alemanha, 95 teses para serem refletidas e debatidas pela Igreja. Nelas, o sacerdote e professor de teologia da Universidade de Wittenberg questionava a interpretação bíblica equivocada da Igreja Católica, que cobrava de seus fiéis quantias em dinheiro a fim de apressar o processo de retirada de familiares presos no purgatório.

O temor daquela gente simples, não educada, impossibilitada de ler as santas escrituras traduzidas para o latim, os fazia pagar, e assim a Igreja absolvia os que até então se encontravam no limbo entre a morte e o prometido céu. Naquela época, o Sacro Império Romano controlava a nação germânica, recebendo um imposto especial destinado ao papado e à expansão daquele reino. Era a junção entre Estado e igreja, onde a religião dominava, oprimia, a fim de obter mais poder e controle sobre o povo.

Mas Lutero foi para a briga. Ele queria conversar, entender o que estava acontecendo, pois na Bíblia que ele estudava e ensinava não existem tais ensinos. No Santo Livro a salvação é gratuita, fruto da fé de quem creu e crê. Também inclui o perdão de pecados. Na conversa de Jesus com o ladrão na cruz, ouvimos: "Hoje mesmo estarás comigo no paraíso", afirmando, assim, o contrário do mencionado estágio intermediário do purgatório. Nosso corpo inicia sua decomposição com a morte, o pó volta à terra e o espírito volta a Deus.

Resultado?

O Papa Leão 10º não aceitou o pedido de conversa, a Igreja rejeitou o debate e Lutero acabou excomungado de seu ofício. Entretanto, um outro acontecimento ocorria naqueles dias: era a invenção e início da Imprensa. Johannes Gutenberg (1396-1498), este sim deveria ser canonizado, inventou este meio de comunicação que por séculos nos nutriu com as novidades, as más notícias, divulgando o que antes permanecia na oralidade, na boca a boca.

Lutero aproveitou-se daquele recurso e panfletou a Alemanha com suas ideias, com seu protesto, com suas descobertas que apontavam para uma espiritualidade livre do governo da Terra e do governo papal. Na Inglaterra, Henry 8º gostou do que ouviu, pois precisava divorciar de sua não mais amada esposa —e, como no catolicismo não era permitido, essa nova revelação foi bem recebida. Assim nasceu a Igreja da Inglaterra, livre do domínio do papa, mas tendo o rei como cabeça da igreja.

A novela Estado-igreja continuava com adaptações e velhas aspirações, sempre pelo poder. Mas uma reforma estava nascendo naquele contexto. Os seguidores de Lutero, o povo, à medida que acessaram os escritos e a própria Bíblia traduzida para o alemão, iniciaram um protesto, um grito, um retorno para a fé no Deus da Bíblia e na Bíblia de Deus. Este grito clamava pela simplicidade da espiritualidade centrada no amor de Cristo, demonstrado em seu sacrifício. Na separação Estado-igreja e na caminhada sem dominação do clero. Assim nasceu o movimento protestante, e com ele vieram as Igrejas Luteranas, Anglicanas, Presbiterianas, Batistas e Metodistas, entre outras.

De volta a outubro de 2021, a união entre Estado-Igreja continua em alta. De um lado, alguns evangélicos brigam e militam por um Brasil onde Estado e Igreja vençam as corrupções, o malfeito e a ausência de caráter tão vivos e atuantes em nossa nação.

Esquecem que competência, integridade e compromisso com o próximo, acima de tudo o mais vulnerável, já bastariam para nos tornarmos um país que avança. No passado a "igreja-gente", a consciência de alguns como Lutero lutaram pela dissociação desses dois poderes. Hoje a "gente-que-se-diz-igreja" luta pela união daquilo que nunca deu certo. Passados estes cinco séculos, celebro a Reforma Protestante do passado e percebo que reforma é o que ainda precisamos.

TENDÊNCIAS / DEBATES
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