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Flávio Bartmann

Esta crise é diferente

Se a eleição é oportunidade única para mudar rumos, augúrios não são bons

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Flávio Bartmann

Engenheiro mecânico (ITA) e doutor pela Universidade de Princeton, é professor na Universidade Columbia e na NYU Stern School of Business

O Brasil está num grande buraco. A última década foi um desastre, com crescimento econômico quase nulo. Na verdade, os brasileiros, na média, ficaram mais pobres nesse período. Mais de 4 milhões vivem hoje no exterior em busca de melhores oportunidades, e cerca de 15 milhões estão desempregados. Menos da metade dos trabalhadores tem carteira assinada. A população urbana vive num clima de profunda insegurança. E o país se encontra hoje mais dividido do que nunca.

O Brasil já passou por muitas crises políticas e econômicas. Mas esta é diferente: é estrutural e permanente. O país caiu do bonde econômico no começo dos anos 1980. Tivemos alguns sucessos, é verdade. A inflação foi controlada pelo Plano Real; o governo Lula melhorou significativamente a distribuição de renda. O programa do álcool, a Embraer e o agronegócio são incontestáveis.

Apesar destes e outros êxitos, a economia brasileira teve um desempenho decepcionante no período, quando o Brasil ficou à margem das cadeias globais de valor. O país se desindustrializou significativamente e aumentou sua dependência de produtos primários. As exportações, de US$ 250 bilhões anuais, estão hoje no mesmo nível de 2011. Exportamos menos do que o Vietnã. A evolução da economia do Brasil é exatamente oposta àquela dos países que estão crescendo rapidamente.

Em 1980, o Brasil tinha um PIB per capita de US$ 6.437 (em dólares de 2015); hoje, o PIB é de US$ 8.230. Os números da Coreia do Sul são, respectivamente, US$ 4.055 e US$ 31.264. O Brasil tem hoje 18 companhias com uma capitalização acima de US$ 10 bilhões. Várias dessas são estatais, e sete são companhias financeiras. A única companhia industrial privada na lista é a Suzano. Já a Coreia, um país com menos de um quarto da população brasileira, virou uma grande potência industrial e tem 28 companhias com capitalização acima de US$ 10 bilhões, incluindo várias no setor automobilístico, eletrônico, de comunicações e químico. A Samsung, por exemplo, tem uma capitalização seis vezes maior que a da Petrobras ou da Vale.

Para complicar ainda mais as coisas, o Brasil é mero espectador na revolução tecnológica que hoje puxa o crescimento econômico. Resultado de políticas equivocadas, como a reserva do mercado de informática ​
—que enriqueceu alguns, mas que assegurou que os brasileiros tivessem acesso limitado a equipamentos de baixa qualidade e a preços exorbitantes—, de uma iniciativa privada contente em receber benefícios e proteção do governo federal e de uma estrutura educacional inflexível e ineficiente, o setor de tecnologia é hoje completamente dominado pelas subsidiárias de multinacionais estrangeiras.

Transformar o Brasil em um país próspero, com oportunidades para os seus cidadãos, é um desafio enorme que irá requerer décadas de trabalho de toda a nação. As prioridades são claras: para construir uma economia moderna, competitiva e aberta ao mundo, precisamos estabelecer um governo ágil, eficiente e tecnicamente competente. O país necessita dar prioridade à educação, à saúde, à infraestrutura e à segurança pública, mantendo, ao mesmo tempo, uma sociedade democrática, fundada no respeito aos direitos humanos e na liberdade de expressão. O desafio é enorme, e a situação política é desalentadora. A fragmentação das forças políticas torna impossível a formulação e implementação de um programa consistente de ação econômica. A corrupção sempre presente torna o problema ainda maior.

A eleição do próximo ano oferece uma oportunidade única para mudar os rumos do país. Os augúrios, entretanto, não são nada bons. As manobras eleitorais se aceleram, com cargos e privilégios no topo da pauta; nenhum dos candidatos, entretanto, parece se preocupar em definir um programa de governo com uma visão clara para o país, necessário para fazer uma boa gestão. O Brasil não pode passar em branco mais uma vez. As consequências seriam trágicas.

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