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Ao condenar fake news e cancelamentos, Francisco se mostra atualizado, mas igreja tem suas falhas

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O papa Francisco em fórum sobre a crise demográfica na Itália - Cecilia Fabiano/LaPresse/DiaEsportivo/Folhapress

Em discurso dirigido a diplomatas, o papa Francisco criticou a cultura do cancelamento, o pensamento único, o anacronismo historiográfico e as fake news, em especial aquelas contra a vacinação. No mérito de cada uma dessas questões, não há como discordar substancialmente do sumo pontífice.

No caso do cancelamento, muito melhor do que tentar destruir a reputação de um adversário é rebater os seus argumentos.

Fosse o papa Francisco um cidadão particular ou um ativista de ONG, só poderíamos louvar-lhe as agudas observações —bem mais pertinentes do que quando chamou de "egoístas" os que preferem animais de estimação a filhos, sendo que os próprios padres não estão autorizados a gerá-los.

Mas Francisco é também o líder da Igreja Católica, o que significa que ele carrega 2.000 anos de bagagem. E, se há uma instituição que, ao longo de sua história, abusou de cancelamentos e exceleu em impor o pensamento único, é a Igreja Católica.

Não se trata aqui de aderir àquelas correntes que abraçam o maniqueísmo histórico, segundo o qual a religião seria sempre uma força do atraso que bloqueou o quanto pôde o avanço da ciência e a liberalização dos costumes. A realidade é infinitamente mais complexa e nuançada do que isso.

O ponto central é que, mesmo com abertura para essas ponderações, não há como negar que a igreja esteja por trás de autos da fé e muitas outras manifestações de intolerância. Queimar hereges é, por qualquer ângulo, levar o cancelamento a seu estágio final.

Não é difícil, para quem abraça doses moderadas de relativismo, conciliar as coisas. A igreja agiu dessa forma numa época em que todos os poderosos o faziam.

Mas, para os que defendem que a moral é absoluta, como os religiosos, não é tão simples. É complicado afirmar que queimar pessoas vivas é um problema hoje, mas não era tanto no passado.

Tais considerações não têm o propósito de silenciar o papa Francisco. Seria injusto responsabilizá-lo pelos atos de seus correligionários pregressos. Mas, até para dar maior concretude a seu apelo por contextualização histórica, ele poderia ter abordado alguns desses problemas em seu discurso.

Seja como for, é alentador constatar que temos hoje um papa muito mais preocupado com os grandes desafios do presente do que com os dogmas do passado.

editoriais@grupofolha.com.br

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