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Fernando Neves

Cidadania, matéria do ensino público

Segue firme projeto de criar gerações sem capacidade de pensar por si próprias

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Fernando Neves

Jornalista e escritor

Nunca este país sentiu tanta falta de seres pensantes. Não no topo da pirâmide, mas sim na vasta base da sociedade. Ver gente desconfiando de vacina, mesmo diante de uma pandemia mortal, mostra como involuímos para uma sociedade desinformada e burra. Qual a causa disso? Uma delas, a mais grave, é o descaso com o ensino público.

Gente que pensa não surge do nada. Precisa ser formada e, no Brasil, a maioria das pessoas que um dia serão cidadãs e cidadãos passa pelo ensino público.

Escola pública é vista por parte da elite brasileira como depósito de crianças que um dia serão nada além de serviçais, sem ascender à categoria de cidadãos. É duro e grosseiro, mas palavras mais suaves não mostram a realidade. Já os números apontam perigosamente para um futuro macabro.

O investimento em educação no Brasil caiu 56% nos últimos quatro anos. Entre 2014 e 2018, baixou de R$ 11,3 bilhões para R$ 4,9 bilhões. A Lei Orçamentária de 2022 deverá reduzir ainda mais esse valor: R$ 4,2 bilhões. Os dados são de conhecimento público.

Queda em investimento em educação compromete a infraestrutura física e de pessoal oferecida a esses milhões de jovens do Brasil que frequentam a rede pública em todos os níveis —municipal, estadual e federal. Uma geração inteira com seu futuro comprometido.

Mas é óbvio que o problema vem de longe, como se vê nos atuais adultos que acreditam em qualquer fake news (só para usar o exemplo mais corriqueiro). O projeto de criar gerações sem capacidade de pensar por si mesmas segue firme e é antigo.

Mas ainda há esperança. Mesmo desprestigiados, os funcionários e professores da rede pública têm se dedicado de forma ímpar à formação dos jovens brasileiros.

Conheço por experiência pessoal: minhas filhas são alunas da rede pública estadual paulista. Pinço um exemplo do trabalho de formação de caráter —sim, isso mesmo, caráter— realizado pelas professoras.

Minhas filhas e seus colegas arrumam as respectivas salas de aula antes de irem embora para casa. Fazem porque é importante deixar a sala pronta para ser usada pelos alunos do turno da manhã. Isso independentemente da limpeza regular da escola, que existe e funciona bem.

Ou seja, as professoras incutem nos alunos a importância do bem comum. Em termos práticos, esta geração conhece e vivencia a expressão latina "res publica", que significa literalmente "coisa do povo", "coisa pública". O primeiro passo para a cidadania. Por isso, a despeito dos esforços para se prejudicar o ensino público, ele resiste. Funcionários dedicados e professores interessados impedem que a escola pública naufrague. Sem eles, o buraco seria indescritivelmente pior.

A educação deve formar seres humanos pensantes que possam fazer mais pelo Brasil. E não escravos do mercado ou servos das ideias de outros. Conhecer ideologias e debatê-las é saudável, em especial em sala de aula. Escutá-las e segui-las como gado ou seita é nocivo a todo mundo, independentemente da mão que se utiliza para votar —seja a direita, seja a esquerda.

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