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Paulo Ludmer

Setor elétrico é sócio da desigualdade

Num território farto em fontes, preço final da energia é inescrupuloso

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Paulo Ludmer

Jornalista, professor e engenheiro, é autor, entre outros, de ‘Tosquias Elétricas’ e ‘Hemorragias Elétricas’ (Artliber)

Há décadas constato no setor elétrico brasileiro as mesmas pessoas declarando as mesmas coisas para as mesmas plateias. A maior presença de mulheres e de jovens renovou quadros, mas não discursos.

Nos anos 1970, havia uma voz dos ofertantes (ABCE, Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica), quase 100% estatal, e nenhuma de consumidores. Em 1984, surgiu a Abrace (os grandes consumidores), até que, nos anos 1990, privatizada a Light (RJ) e a Escelsa (Espírito Santo), o antigo Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica dá lugar a uma Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). A raposa pararia de cuidar do galinheiro.

A Aneel, com liberdade, deveria cumprir as políticas dos representantes eleitos pelas urnas, sem legislar, mas sim mediando, normatizando e fiscalizando —independentemente do governo de plantão. Mas o Palácio do Planalto veio capturando espaços e decisões.

O professor e jornalista Paulo Ludmer - Zé Carlos Barretta - 26.jul.17/Folhapress

Neste século, multiplicaram-se as vozes (entidades de classe) da oferta e dobraram as de consumidores. Estes se encontraram em desvantagem porque a imprensa deu igualdade em tempo e espaço para todos. A voz influente da oferta engrossou, em detrimento do usuário. Os ​lobbies pulverizados falhavam ante o Poder Executivo e o Congresso.

Dos males, não foi o pior. As políticas públicas abandonaram o primado da sociedade —descartou-se a redução da desigualdade social, a preservação do meio ambiente e a qualidade da governança.

O Poder Executivo e os legisladores, operando no modelo toma lá dá cá, priorizaram: 1 - sua permanência no poder pela captura de votos e pelas posições de influências, bonomias e interesses; 2 - a relação simbiótica com os capitais do setor para resguardar sua operação lucrativa; e 3 - as decisões com saldo líquido concentrador de renda para alguns eleitos, distribuindo subsídios, incentivos, empréstimos, renúncias fiscais e que tais. Isso sacrificou os consumidores e contribuintes com o ônus e os riscos das escolhas (aparentando benevolência no curto prazo sobre boletos de cobrança no longo prazo).

Travam-se batalhas por essas práticas com o dinheiro público. Há agentes que não se encabulam de propor aos legisladores, aos executivos do governo, que o lixo de suas adversidades seja varrido para debaixo do tapete dos outros —ou para os erários do Estado.

O preço final da energia elétrica aqui é inescrupuloso, num território farto em fontes, mormente a água. Menos da metade da arrecadação das faturas pelo serviço remunera quem produz e traz a energia até os domicílios. Há encargos, impostos e cruzamentos de cálculos malignos numa economia a se inserir no mapa global. O setor precisa ser repensado por altruístas interessados em servir à nação diante da gravidade mórbida do aumento da desigualdade social.

Urge uma reformulação cirúrgica, nem de esquerda, nem de direita, apenas amante do Brasil. Ai de nós se continuarmos nas mãos de quem estamos nos dias que correm.

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