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Daniel Wei Liang Wang

Como limitar a politização do Supremo?

Ampliar o rigor do processo de aprovação dos ministros pode ser uma saída

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Daniel Wei Liang Wang

Professor de direito da Fundação Getulio Vargas (SP)

Dizer que o Supremo Tribunal Federal é um órgão político, a depender do sentido que se dá ao termo "político", é reiterar o óbvio ou expressar um sinal de deterioração da democracia e do direito.

O STF é essencialmente político pela natureza de sua função. Ele interpreta e garante a observação da Constituição Federal, o documento jurídico-político que define obrigações, competências e limites para o exercício do poder estatal e os valores e compromissos fundantes da sociedade. O Supremo tem o papel de oferecer estabilidade política ao, idealmente, permitir a resolução de conflitos calcada em amplos consensos verbalizados na Constituição e na coerência com suas decisões passadas (os precedentes).

Um tribunal como o STF também terá sempre um elemento político pelo método de escolha de seus membros: nomeados e aprovados por políticos eleitos, mantendo uma conexão necessária entre a corte e a democracia representativa.

Porém, um tribunal ser "político" pode apontar uma distorção no seu funcionamento quando significa que ele interfere na disputa político-eleitoral com o propósito de favorecer algum lado. Isso ocorre, por exemplo, por decisões que, para beneficiar um determinado grupo político, limitem a liberdade de expressão, suspendam direitos políticos, criminalizem candidatos, mudem regras eleitorais ou tomem decisões para desestabilizar governos.

Outro sentido de "político" se refere à judicialização de agendas de transformação social. Tendemos a gostar dessa politização quando o Judiciário promove mudanças que apoiamos. Porém, nada garante que uma corte apenas defenderá causas que nos são caras. É também implausível que se tente avançar agendas controversas no Judiciário sem que a reação a elas influencie disputas por poder nos tribunais.

A nomeação de um ministro "terrivelmente evangélico" é a reação esperada à percepção de que o STF é muito receptivo a demandas progressistas, como a descriminalização do aborto. A depender das próximas eleições e nomeações, não é inimaginável uma composição do STF que passe a reduzir direitos reprodutivos. Usando palavras do próprio Jair Bolsonaro (PL), pautas conservadoras podem não só "empatar", mas passar a "ganhar" no Supremo.

O protagonismo recente da corte aumenta a tentação de, por meio da nomeação de pessoas cada vez mais alinhadas com quem as indica, politizá-la na maior medida possível para que defenda interesses de um grupo político ou avance/bloqueie agendas de transformação social.

Indícios disso são a declaração de Bolsonaro de que tem 10% de si dentro do STF (em referência ao ministro Kassio Nunes Marques) e que a escolha para as próximas vagas é mais importante que a própria eleição presidencial. Outros candidatos também parecem já discutir nomes para o tribunal usando alinhamento político como critério central, algo que seria de se esperar em escolhas para compor eventual governo, mas não a cúpula do Judiciário.

Seria irrealista exigir que os próximos governos, por princípio republicano, resistam a essa tentação, sobretudo quando sabem que essa tática pode vir a ser empregada por seus adversários uma vez no poder. A saída pode estar em retomar as discussões sobre mudanças nas regras de nomeação.

Por exemplo, atualmente, a aprovação do nome indicado pelo presidente requer o voto de metade dos membros do Senado. Uma proposta seria aumentar o rigor do processo e exigir, por exemplo, a obtenção de três quintos da Câmara e do Senado Federal. Isso aproximaria o processo para aprovar alguém com poder de dar sentido à Constituição daquele que se exige para emendá-la. Mais importante, forçaria a indicação de nomes mais consensuais, que sejam aceitáveis a um espectro político mais amplo, inclusive na oposição. Em tese, isso favoreceria pessoas sem vínculos políticos fortes e com vida pública discreta.

Essa é apenas uma proposta dentre várias cujos méritos e desvantagens precisam ser discutidos com alguma urgência sob o risco de vermos um Supremo Tribunal Federal cada vez mais vinculado a grupos políticos e mais dividido internamente por linhas político-partidárias.

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