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Rafael Calabria

O custo da gratuidade de idosos no transporte público deve ser bancado pelo governo federal? NÃO

O que precisa ser feito é rever contratos e eliminar a remuneração por lotação

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Rafael Calabria

Coordenador do Programa de Mobilidade Urbana do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor)

O custo da gratuidade de idosos não deve ser bancado pelo governo federal por uma simples razão: o benefício não é custo. Por outro lado, é preciso, sim, que a União contribua financeiramente com o transporte público urbano —e isso deve ser feito a partir de medidas que promovam a qualidade do serviço e a transparência sobre o recurso.

No Brasil, o transporte público, em geral, é concedido à iniciativa privada. Na maioria dos casos, essas empresas têm seus lucros baseados na quantidade de pessoas que pagam tarifa. Quanto mais gente paga e menos veículos rodam, maior o ganho. O resultado são ônibus cheios, pouco frequentes e um serviço de má qualidade, principalmente nas periferias. Esse modelo de "remuneração por lotação" é totalmente distorcido. As empresas deveriam receber pelo gasto para operar o sistema com qualidade, isto é: veículos, combustível, salários etc.

Passageiros tentam embarcar em ônibus em São Paulo - Rivaldo Gomes - 24.ago.2021/Folhapress

Receber por passageiro torna a lotação, e não a qualidade, rentável às empresas. Mesmo que não realizem as viagens programadas e aglomerem pessoas em poucos ônibus, elas terão sua receita mantida. Nessa lógica, passageiros que não pagam a passagem viram "custo’’. Caso o governo federal passe a subsidiar as gratuidades, esse modelo equivocado será reforçado. Ou seja, receberão mais recursos aquelas linhas com mais idosos, mesmo que sejam menos frequentes e tenham ônibus piores; logo, menor custo real.

Durante a pandemia, empresas de ônibus entraram em colapso com a queda brusca de passageiros pagando tarifa. Neste momento, empresários de ônibus, os mesmos que agora pleiteiam o custeio da gratuidade, articulam o projeto de lei 3.278/21, que tramita no Senado. O PL reconhece o problema e propõe substituir "remuneração por lotação" pela "remuneração por custo".

A necessidade de um repasse de recursos federais para os transportes urbanos é praticamente um consenso. Em países como Alemanha e Estados Unidos, que já possuem fundos federais estabelecidos para o setor, durante a crise da pandemia fizeram repasses extras na casa de dezenas de bilhões de dólares. No Brasil, onde esse fundo não existe e a enorme maioria das cidades não consegue subsidiar nada do serviço, um auxílio emergencial federal é ainda mais urgente.

Porém, esse repasse precisa ser feito às prefeituras com controle, exigindo contrapartidas das concessionárias para melhorar a qualidade do serviço e barateá-lo. Caso contrário, será apenas mais uma injeção de recursos nas empresas, reforçando as suspeitas sobre a "caixa-preta" do setor, exatamente como acontece na proposta de custeio da gratuidade dos idosos, agora aprovada no Senado e que será apreciada pela Câmara.

Em novembro de 2020, o Congresso aprovou um pacote de socorro federal ao transporte das cidades. Além do repasse de dinheiro, o projeto previa transparência, auditorias e contrapartida das empresas. A medida foi vetada pelo governo Jair Bolsonaro (PL). Após um ano, a crise se agravou. Foram ao menos 40 greves e 122 cidades que subsidiaram o serviço. Agora, na ânsia de se achar uma solução, surge a proposta equivocada de pagar a gratuidade dos idosos.

Se aprovada, essa será apenas mais uma medida tapa-buraco, sem contrapartidas ou garantia de que não haverá aumento de tarifa. O que governantes e empresários de boa-fé devem fazer é rever os contratos, eliminando a remuneração por lotação. Ao mesmo tempo, articular a criação de um fundo federal para o setor. Isso não exclui a necessidade imediata de um socorro federal, nos moldes do que foi vetado pelo presidente. É assim que veremos garantido ao brasileiro seu direito constitucional a um transporte público de qualidade e acessível.

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