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O que a Folha pensa

Preconceito banalizado

Chegou-se a degradação inédita das manifestações de um presidente e auxiliares

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O presidente Jair Bolsonaro (PL), em cerimônia no Palácio do Planalto - Antonio Molina/Folhapress

Na noite de quinta-feira (3), Jair Bolsonaro (PL), pela enésima vez em intervenções públicas, proferiu com naturalidade chocante mais um comentário discriminatório —que precisa ser repudiado, sob risco de que se banalize o padrão odioso de pronunciamentos do mais alto mandatário do país.

Numa de suas patéticas transmissões em rede social, o mandatário quis sanar a insatisfação gerada por ter supostamente revogado um decreto de luto oficial pela morte do padre Cícero Romão Batista —o que de fato não fez.

A mencionar o lendário sacerdote, personagem histórico de devoção de milhões de brasileiros, nascido no Crato (CE), Bolsonaro afirmou que se tratava de alguém "lá de Pernambuco". Ao receber contestações e perceber a gafe, queixou-se de seus assessores.

No seu característico português tosco, perguntou se era "isso mesmo" e arrematou com a espantosa reprimenda: "Está cheio de pau de arara aqui e não sabem que cidade fica padre Cícero?", questionou.

Evocava, na realidade, a estátua e o santuário, localizado em Juazeiro do Norte, no mesmo Ceará. O termo pau de arara alude aos caminhões precários usados na migração de nordestinos em busca de vida melhor, em especial para cidades grandes do Sudeste do país. Em decorrência, passou a ser usado para se referir de forma depreciativa a esses brasileiros.

Para quem já prestou homenagem a torturadores e coleciona ofensas a mulheres, negros e pessoas da comunidade LGBTQIA+, a fala boçal de Bolsonaro não constitui nenhuma surpresa.

Entre os muitos aspectos nocivos dessas manifestações, um dos mais preocupantes é que a repetição frequente pode, ao menos até certo ponto, ir vencendo pela exaustão. É como se a injúria já se inscrevesse no âmbito do "normal".

No mesmo sentido vão os absurdos preconceituosos proferidos rotineiramente por seus auxiliares —do ministro da Economia, Paulo Guedes, ao diretor da Fundação Palmares, passando pela homofobia do titular da Educação.

Chegou-se a um grau sem precedentes de degradação das manifestações de autoridades governamentais. Não é preciso ser um purista do politicamente correto para perceber que tais atitudes vão muito além de gracejos infelizes.

editoriais@grupofolha.com.br

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