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Igor Britto

Pelo direito de sermos ouvidos

É urgente ampliar a participação social de consumidores nas decisões políticas

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Igor Britto

Diretor de Relações Institucionais do Idec

Há exatos 60 anos John Kennedy apresentou aos Estados Unidos sua proposta de criação de direitos para os consumidores. Pela primeira vez, naquele 15 de março de 1962, em mensagem ao Congresso transmitida pela TV, um presidente alertava que não adiantava apenas atender aos interesses dos empresários e garantir direitos aos trabalhadores. Para equilibrar o mercado livre com cidadania e garantir acesso a bens e serviços era preciso reconhecer que "consumidores representam o maior setor da economia, afetando quase todas as decisões econômicas públicas e privadas".

E Kennedy seguiu destacando que consumidores "formam o único grupo importante na economia que não está efetivamente organizado, e cujos pontos de vista muitas vezes não são ouvidos". Na sequência indicou quatro tipos de direitos que precisavam ser criados por lei: direito à segurança, de ser informado, de escolha e, finalmente, de ser ouvido. Este último é o que merece nossa especial atenção.

O discurso influenciou o mundo, a ponto daqueles direitos sugeridos pelo presidente entusiasta serem adotados por todos os países membros da ONU —no Brasil, ajudou a formar a base do nosso Código de Defesa do Consumidor (CDC), de 1990. Mas temos uma exceção: aquele último direito da lista, o direito dos consumidores de serem ouvidos, não foi reconhecido. Não só isso: foi expressamente vetado da lei.
Quando aprovado pelo Congresso Nacional, o CDC nos dava esse direito. Estava no artigo 6º, inciso 9, que seria garantido aos consumidores "a participação e consulta na formulação das políticas que os afetam diretamente, e a representação de seus interesses por intermédio das entidades públicas ou privadas de defesa do consumidor".

Mas o então presidente Fernando Collor (PROS-AL) vetou esse trecho. E se justificou dizendo que "o exercício do poder pelo povo faz-se por intermédio de representantes legitimamente eleitos". Essa decisão tem impacto negativo até hoje. Por mais que associações de consumidores tenham se fortalecido nesses 32 anos, ainda sofrem para ter espaço nas discussões mais importantes.

Enquanto os representantes de grandes empresas conseguem ser ouvidos e atendidos por governantes, parlamentares e tribunais, os da sociedade civil de consumidores, que são poucos, se esforçam para serem minimamente considerados. Com muito menos recursos, demorou anos para, por exemplo, convencer agências reguladoras a ouvi-los em processos que impactam os interesses das pessoas. E, ainda hoje, nem todas as agências e órgãos de governo praticam verdadeiramente esse compromisso.

No Congresso, raríssimos são os parlamentares preocupados com os impactos de suas propostas para os consumidores. Como consequência, medidas prejudiciais avançam sem que as pessoas percebam, e boas iniciativas não são criadas ou demoram para avançar. Neste 2022, precisamos celebrar os 60 anos do discurso de Kennedy atentos aos candidatos que efetivamente demonstram compromisso com o último direito da lista: o de garantia da participação social dos consumidores —ou seja, de todos nós!— e de seus representantes nas decisões políticas.

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