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Marina Atoji

Transparência sob ataque

Democracia perde terreno sem adequada divulgação de informações públicas

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Marina Atoji

Gerente de projetos na Transparência Brasil

Desde o início do mandato de Jair Bolsonaro (PL), o país vem testemunhando ataques constantes às leis e práticas de transparência no âmbito do governo federal. A mais nova afronta à divulgação ampla de dados aconteceu no Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira).

Com a justificativa de atender à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), houve uma mudança na maneira de divulgar os microdados do Censo Escolar, que impediu o acesso ao detalhamento dos anos anteriores, impossibilitando a análise de séries históricas. As informações referentes ao ano de 2021 perderam o caráter de microdados, prejudicando gestores e pesquisadores.

Essa justificativa não é nova. Relatório da Transparência Brasil com base nos dados do Executivo federal com os conteúdos de pedidos e respostas considerados públicos de janeiro de 2015 a outubro de 2021 identificou ao menos 1.459 pedidos de informação que não mencionavam a LGPD, mas foram negados tendo essa legislação como justificativa.

Essa é apenas uma das facetas do retrocesso no tema da transparência pública no governo central. Uma longa lista de ataques à divulgação de informações públicas foi registrada em 2021. Em abril, a Presidência da República vetou um trecho da nova Lei de Licitações que tornava obrigatória a criação da Base Nacional de Notas Fiscais Eletrônicas. Esse sistema tornaria notas relativas a compras e contratações públicas acessíveis a todos.

Já em dezembro, dois decretos atingiram a transparência governamental. O primeiro (decreto 10.888) foi publicado no meio do escândalo do "Orçamento secreto", um esquema paralelo bilionário em emendas parlamentares para a base de apoio do governo. O texto impõe publicidade às emendas de relator, mas não obriga a divulgação dos "padrinhos" das emendas.

O segundo decreto (10.889) impõe publicidade a agendas de autoridades com representantes de grupos de interesses, os lobistas, mas deixa brecha para restrição de acesso a compromissos e informações. O texto prevê que atividades "cujo sigilo seja imprescindível à salvaguarda e à segurança da sociedade e do Estado" estão dispensadas da obrigatoriedade de publicidade.

A pandemia de Covid-19 merece destaque dentro desse cenário. Em um ano em que mais de 400 mil brasileiros morreram, a falta de ação e de informação foi, consistentemente, a única política do governo. Em janeiro de 2021, o então ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, anunciou o início da vacinação no país com a frase de efeito "no dia D, na hora H", com informações incompletas sobre o Plano Nacional de Imunização.

Em março, mais desinformação: cerca de 70% das informações que deveriam ser públicas e acessíveis à sociedade estavam incompletas, indisponíveis ou inconsistentes, de acordo com a Nota Técnica Transparência da Vacinação, produzida pela Transparência Brasil. A falta de informação seguia afetando o Plano Nacional de Imunização, que a esta altura já estava em sua quarta edição.

Em dezembro, as bases de dados públicas sobre Covid-19 ficaram indisponíveis por duas semanas, alegadamente por conta de um ataque aos servidores do Ministério da Saúde. Não houve divulgação da causa da falha nem a respeito da investigação sobre a autoria dos ataques.

A falta de transparência dos dados públicos vai muito além de mero inconveniente para a sociedade. Sem a divulgação adequada de informações do poder público, a democracia perde terreno. É fundamental voltar os olhos para que o retrocesso seja impedido.

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